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quinta-feira, 22 de março de 2012

USGAAP ou IFRS - Hora de Sincronizar

USGAAP ou IFRS - Hora de Sincronizar

Com o plano da SEC de aceitar as normas internacionais , companhias que precisam decidir entre US Gaap e IFRS partem logo para a segunda opção.


US Gaap ou IFRS? Qualquer estreante no Nível 2 ou no Novo Mercado da Bovespa precisa responder a essa pergunta. Pelas regras da Bolsa, as companhias listadas nos segmentos diferenciados de governança corporativa têm de elaborar suas demonstrações financeiras conforme os princípios de contabilidade geralmente aceitos dos Estados Unidos (US Gaap) ou as normas internacionais (IFRS). A segunda opção é conciliar, com um desses padrões, o resultado do exercício social e o patrimônio líquido obtidos em BR Gaap (a contabilidade brasileira). Por conta do histórico envolvimento do mercado brasileiro com o norte-americano, a escolha pelo US Gaap seria a mais óbvia. Mas com o mundo caminhando em direção às normas internacionais, está na hora de as companhias se sintonizarem no IFRS, afirmam especialistas.

Mesmo os Estados Unidos devem aderir, em breve, à linguagem estrangeira. O plano é antigo. Desde o Acordo de Norwalk de 2002, o Financial Accounting Standards Board (Fasb) norte-americano e o Internacional Accounting Standards Board (Iasb), que edita o IFRS, vêm trabalhando na convergência entre esse sistema e o US Gaap. “O projeto é bastante realista”, avalia José Luiz Carvalho, sócio da KPMG. Não se sabe, com certeza, quando terminará ou até que ponto acontecerá a harmonização dos dois modelos de contabilidade. Mas, no que depender da Securities and Exchange Commission (SEC), um importante passo será dado até 2009: a eliminação da exigência de que companhias estrangeiras listadas nos Estados Unidos reconciliem suas demonstrações financeiras em IFRS com o US Gaap. A autarquia admitiu, recentemente, até a possibilidade de estender o privilégio a companhias locais. Ou seja, os norte-americanos, inclusive, poderiam divulgar balanços em qualquer um dos dois sistemas. Hoje, são aceitos relatórios elaborados de acordo com as normas internacionais, desde que estejam conciliados com o padrão nacional.

Nas últimas reuniões sobre o projeto de harmonização das normas. O presidente do conselho da SEC, Christopher Cox, tem enfatizado o comprometimento em retirar a barreira dentro do prazo estipulado. “Os benefícios incluem o maior acesso a oportunidades estrangeiras de investimento e a entrada no mercado norte-americano de emissores que fugiriam daqui devido aos altos custos de reconciliação de seus relatórios financeiros com o US Gaap”, disse ele, no dia 6 de março. Cox acrescentou que não só a Europa, mas também muitas outras jurisdições, como Canadá, Austrália, Japão, Israel, China e Hong Kong, optaram pelo IFRS.

De fato, as normas internacionais de demonstrações financeiras estão fazendo jus à sua nomenclatura. Em abril de 2007, já haviam se tornado o idioma contábil oficial de 79 países, do Chile à Nova Zelândia, pelas contas do site IAS Plus, da Deloitte (veja tabela acima). O número de empresas ligadas no padrão internacional passava de 10 mil no ano passado, de acordo com o guia de demonstrações financeiras 2006/2007 da PricewaterhouseCoopers (PwC). “No médio e no longo prazo, a tendência é de existência do US Gaap nos Estados Unidos e do IFRS no resto do planeta”, prevê Ana Maria Elorrieta, sócia da área de risco e qualidade da PwC.

Graças a esse panorama, algumas companhias brasileiras que tiveram de revelar este ano a resposta à pergunta do início da reportagem, não tiveram medo de sair na vanguarda, adotando o IFRS. É o caso da Grendene, presente no Novo Mercado desde 2004. De acordo com a diretora de Relações com Investidores (RI), Doris Wilhelm, a opção foi por um modelo aceito por investidores globais. Em nenhum momento cogitou-se o uso dos US Gaap. “Valeria a pena se tivéssemos a intenção de emitir certificados de depósito norte-americanos (ADRs), mas não temos planos para isso. E, caso venhamos a ter no futuro, a própria SEC poderá vir a aceitar as normas internacionais”, afirma.

TENDÊNCIA BRASILEIRA – Outro fator que pesou na decisão da Grendene é o movimento do Brasil em direção ao IFRS. Por enquanto, ao contrário dos emergentes China e Rússia, ainda não temos um cronograma de adesão ao modelo – mesma situação da Índia. “Sendo o País um Bric, e havendo uma concorrência cada vez maior entre os mercados, esse fator é uma desvantagem competitiva”, reflete o sócio da PwC, Fábio Cajazeira. Mas há sinais claros de que estamos revertendo o quadro. No ano passado, o Banco Central emitiu o comunicado 14.259, conclamando as instituições financeiras do País a migrarem seus sistemas de contabilidade para as bases internacionais até 2010.

A esse evento, soma-se a criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), a partir da Resolução 1.055, de 2005, do Conselho Federal de Contabilidade (CFC). O comitê, cujo papel é adequar os princípios brasileiros às normas internacionais, entrou em operação no ano passado. É composto por representantes de entidades como Abrasca, Apimec, Bovespa, Fipecafi e Ibracon, além do próprio CFC.

A origem do CPC está no projeto de lei 3.741, de 2000 Atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados, o projeto reforma algumas das regras de contabilidade contida na Lei das S.As. Um dos dispositivos propostos é de que uma entidade, conveniada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros órgãos reguladores, estude e divulgue padrões contábeis – função esta do CPC. “O CPC tem um claro compromisso de que as normas emitidas estejam de acordo com o Iasb”, afirma Gregory Gobetti, sócio da área de serviços financeiros da Ernst & Young.

Com essa perspectiva, a Porto Seguro preferiu reconciliar sua demonstração financeira de 2007 com o IFRS. “Vimos que, no decorrer do ano passado, as coisas estavam convergindo. A legislação e as normas contábeis brasileiras estavam indo ao encontro das internacionais”, conta o diretor de RI da CFO da seguradora, Mário Urbinatti. Nem a base de acionistas da Porto – dos 37% de ações em free float, mais de 60% estão nas mãos de estrangeiros, sobretudo norte-americanos – dificultou a escolha entre os dois padrões. E, depois da publicação, alguém reclamou? “Não tivemos nenhum questionamento”, assegura Urbinatti. “São investidores qualificados.” Parta o sócio da área de auditoria da Deloitte Edward Ruiz, o entendimento dos norte-americanos sobre o IFRS, realmente, já evoluiu bastante. “Os investidores interessados nas empresas brasileiras, hoje em dia, são sofisticados”, diz.

Vale lembrar que a SEC se engajou no esforço de minimizar, o quanto antes, as diferenças entre os modelos internacional e norte-americano. Uma das discrepâncias cruciais é o fato de o IFRS ser baseado em princípios, diferentemente do U S Gaap, recheado de regras. Contra o primeiro, há críticas de que tem gerado compreensões e aplicações distintas, nas várias nações em que está em vigor. Mas, na opinião de Christopher Cox, essa característica de “obra aberta” do IFRS representa pouco impedimento. O presidente do conselho da SEC costuma usar uma frase de Andrew Jackson, o sétimo presidente dos Estados Unidos, para justificar a possibilidade de múltiplas interpretações: “Só uma mente muito fraca é incapaz de pensar duas maneiras de soletrar a mesma palavra.”

NA CONTRAMÃO – Os pontos a favor das normas internacionais, porém, foram insuficientes para tranqüilizar a Nossa Caixa. Listado no Nível 2 da Bovespa desde 2005, o banco terá de apresentar suas demonstrações financeiras em sintonia com algum dos padrões estrangeiros a partir do ano que vem. Apesar de ser obrigada, pelo Banco Central, a migrar para o IFRS até 2010, a Nossa Caixa entrou na contramão. Vai de US Gaap agora e, depois, fará o departamento de contabilidade, Tomie Matsushita, a decisão se deu pela maior familiaridade dos contadores de bancos brasileiros com os princípios norte-americanos. “Achamos mais seguro, já que o tempo para nos adequarmos era curto, de 30 meses”, explica. Quem está aproveitando para faturar em cima da dificuldade das companhias com as reconciliações é a paulista SCA Systema, fabricante de uma ferramenta eletrônica que converte demonstrações financeiras brasileiras em US Gaap ou IFRS. O produto dispensa o manejo de complexas planilhas e agiliza os processos. De 2004 para cá, a empresa viu sua carteira de clientes interessados nas normas internacionais subir mais de 50%.

Preocupações como as da Nossa Caixa são comuns. O uso do IFRS é recente e pode despertar certa insegurança. No Brasil, um agravante é a falta de contadores e auditores com conhecimento profundo nas normas internacionais. Não existe tradução do conjunto de regras para o português, o que impõe a dificuldade extra da língua inglesa. “Tem de haver uma reforma nos currículos das universidades”, acrescenta Ana Maria Elorrieta, da PwC. Além da falta de profissionais especializados, aspectos como a linguagem contábil adotada por mercados estratégicos, pelos concorrentes e por clientes também devem ser colocados na balança, ressalta Edward Ruiz, da Deloitte.

Para Renar Maçãs, por exemplo, uma das maiores produtoras da fruta no País, o relacionamento com importadores foi preponderante quando havia dúvidas entre um e outro modelo. No dia 26 de abril, o conselho de administração votou no IFRS – padrão presente nas demonstrações financeiras da empresa de 2008 em diante. A Renar achou por bem adotar a linguagem dos bancos da Europa para ter mais acesso a eles, já que o continente responde por 80% de seu volume exportado. A companhia negociou, em média, cerca de € 5,4 milhões com europeus nos últimos três anos, o equivalente a 32% de seu faturamento. Em relação aos custos provenientes da aplicação do IFRS, haverá pouca diferença em relação ao Gaap norte-americano. As despesas devem ficar em torno de R$ 120 mil, nos dois primeiros anos, prevê o diretor de RI, Gelmir Antonio Bahr.

Sob o prisma das tendências mundiais, aderir neste momento ao IFRS poderá até representar uma economia. Há um risco que não deve ser desprezado. Assim que os Estados Unidos aceitarem totalmente as normas internacionais, uma demonstração financeira será aceita tanto aqui quanto lá fora. Além disso, quando aprovado, o projeto de lei 3.741 forçará as companhias assimilarem as normas internacionais, ainda que na forma de princípios brasileiros. “Parece mais barato hoje fazer o IFRS. Se convergirem para o US Gaap, as empresas terão de preparar, daqui a pouco tempo, um outro tipo de balanço para atender às regras locais”, diz Gregory Gobetti, da Ernst & Young. Segundo José Luiz Carvalho, da KPMG, gastos com treinamento de equipe, consultoria e implantação de um sistema contábil podem extrapolar facilmente R$ 1 milhão. Para pensar em contabilidade hoje, como se vê, é preciso saber prever o futuro.

(Fonte: Revista Capital Aberto, ed. 45, pág. 54-57)

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