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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Critérios Judiciais Determinantes do Consumo e do Tráfico




Tráfico ou consumo: critérios determinantes para configuração processual das condutas. Entre a teoria e a prática.

I- Um novo-antigo problema

A Cidade do Rio de Janeiro assume no Brasil grande evidência sobre os temas criminalidade e violência. Grande parte da energia discursiva desemboca no “combate ao tráfico de drogas”. Esta é uma questão que adquiriu desde os idos da década de setenta um espaço midiático crescente, possível responsável pela difusão da chamada “guerra urbana” na cidade.

No plano social, há aproximadamente cinco anos, houve uma concreta alteração das estratégias nas favelas, caracterizada pela não insistência das incursões intermitentes, eventuais e aleatórias dos agentes da Polícia Militar, que agora denomina-se “ocupação” (certamente é preciso considerar a variável dos  jogos internacionais que forçaram novas estratégias da Política Criminal no estado. O projeto do governo estadual denomina-se Unidade de Polícia Pacificadora-UPP, e baseia-se na conjugação das  forças institucionais da segurança pública do estado (Polícia Militar, Grupo Tático da Polícia Militar(BOPE), Polícia Civil, bem como o apoio da Polícia Federal e Exército),  para apropriar-se do território onde se concentra uma das formas do comércio de drogas ilícitas.

No aspecto legal, o Brasil experimentou uma lei que perdurou por quase trinta anos (6368/76), sendo substancialmente alterada pela Lei 11.343/06. O reconhecimento da substancial mudança prende-se, no entanto, à pessoa do consumidor, na medida que lhe fora concedido status de vítima e, portanto, a dedicação das políticas estão direcionadas aos seus danos decorrentes do consumo, seja enquanto consumidor dependente ou recreativo.

Analisando a trajetória sobre a questão das drogas no Brasil, a lei revogada no. 6.368/76 imprimia uma responsabilidade social sobre a questão das drogas, pois o seu primeiro artigo impunha a toda pessoa física ou jurídica o dever de colaborar na prevenção ou repressão ao tráfico ilícito de drogas e ao uso indevido de substância entorpecente, causadora de dependência física ou psíquica. Denotava-se, pois, a importância social sobre o tema, todavia a legislação em si dependia da participação efetiva dos cidadãos, e neste caso o que se constatou foi  a sempre crescente expansão do comércio e, portanto, do consumo (a equação se conhece pela lei máxima dos negócios: havendo demanda necessariamente haverá oferta, seja lícita ou ilícita).

Mas, urge que se priorize o valor social e político concedido sobre esta matéria, pois, logicamente, a premissa básica do controle penal é de que aquilo que é objeto de criminalização não seja aprovado pelo grupo social, ao menos pela sua maioria. Neste sentido, quando tratamos sobre o tema “drogas” imaginamos, de início, que a maioria das pessoas reprovam o comércio e o consumo. Este deveria ser o resultado da radiografia do valor social atribuído às drogas, mas a dificuldade para se afirmar tal premissa revela-se elevadíssima, considerando os indicadores sobre o consumo, seja entre os jovens ou adultos.

A nova legislação acerca do assunto, Lei no. 11.343/06, renovou a posição do Estado quanto ao consumo e ao comércio, mas não houve ampla difusão dos fatores que levaram a produção da nova lei, bem como sobre os resultados previstos e já alcançados. A sociedade em geral, mesmo diante de um tema de interesse da maioria, fica à revelia dos debates científicos, permanecendo apenas como expectador dos sensacionalistas e dos repressores, em programas de massa, ou melhor, em programas que provocam a cegueira e o esvaziamento do tema, apesar de complexo e polêmico, por inúmeros motivos de interesse pessoal e social. Assim, o debate sobre o tema é fundamental, mas não só para a direção do consumidor, mas também dos descartáveis e substituíveis vendedores jovens dos grupos sociais de baixa renda.

Especificamente sobre as alterações, observa-se uma contundência contra a repressão ao tráfico, visto o aumento das penas em comparação com a antiga lei (Lei no. 6368/76) e um abrandamento significativo quanto a reação sobre o consumo, pois afastou a previsão da pena privativa de liberdade (ora usa o termo medida ora utiliza pena)) e concedeu a competência judicial aos juizados especiais criminais (JECRIM’S).

Justamente sobre o aspecto do consumo, sobre o qual o legislador preteriu as medidas repressivas, em nome da política de redução de danos, fazem os doutrinadores o debate acerca da quantidade que permite a sua caracterização, para que se afaste a possibilidade de se tipificar a conduta de comércio, ou tráfico como preferem aqueles que bradam a tragédia urbana (a crítica ao termo “tráfico” reporta-se a sua utilização quando tratar-se de comércio transnacional-atacadistas, e não ao comércio interno, ou  ao consumidor varejista).

Sobre as diversas temáticas perpendiculares que gravitam em torno do tema nuclear das drogas, temos as concepções conceituais da pessoa que faz uso das drogas: usuário ou dependente. Há anos o Brasil incorporou, teoricamente, entre os especialistas interventores da área  da saúde, os diversos aspectos impactantes resultantes do uso, e que foram compilados pelo que se conhece como “Política de Redução de Danos”. Desta forma, é próprio que se permita convencer que a nova lei atendeu às demandas pautadas pelos técnicos que visavam uma nova forma de intervenção do Estado sobre o usuário ou dependente, posto que fundamentaram todas as propostas nesta política inclusiva e protetiva. Contudo, as críticas recorrentes sobre a política de extermínio dos jovens que vendem as drogas, implementada pela bárbara e perversa tática da guerra urbana de “combate às drogas”, mereceu, pelo que se verifica, um desprezo coberto de indiferença por parte dos legisladores.

II- O dilema permanece: usuário ou traficante?

O significado de “nocividade” do uso de drogas promove, historicamente, inúmeras alusões acerca das necessárias medidas para diminuição do seu índice, embora a prática mais comum seja o “combate” ao vendedor, e que para sua execução estima-se um gasto de bilhões de dólares-ano, acima do destinado à saúde e educação.

Todavia, diante de uma prática comercial ilegal, sobre a qual constantemente se divulga as cifras extraordinárias que circulam e movimentam este mercado, é preciso ponderar sobre a participação das pessoas que exercem a atividade da venda ao público consumidor direto. Desde o financiador até a efetiva disponibilidade das drogas ao consumidor final (o fluxo da produção e do comércio presume: contatos entre os negociadores, obtenção da semente, colheita, formação de uma rede (entre fronteiras) interfuncional que envolve servidores públicos, distribuição, manipulação de produtos químicos, refinamento, embalagem, nova formação de uma rede (na região da venda) interfuncional que envolve agentes da segurança pública, e finalmente a venda ao consumidor direto: usuário, dependente ou revendedor), cujo ciclo se aplica ao processo de produção em larga escala, no qual identifica-se condições díspares dos envolvidos, sendo o mais vulnerável aquele que se expõe à venda do produto final (o chamado traficante do morro). Esta vulnerabilidade se constata pelo fato de que a referida função exige um comportamento evidente de repasse, objeto, quando desejado, do monitoramento da polícia. Desta forma, tudo aquilo que ocorreu anteriormente desemboca na figura do vendedor final, que via de regra está ali colocado à disposição da pobreza e da ausência de perspectiva de futuro, e que efetivamente é raptado pelas garras da segurança pública para um futuro determinantemente sombrio e curto, seja no confronto com os policiais seja nos cárceres. Esta é a grande contradição da política de combate ao “vendedor” ou “traficante”, posto que o discurso é sempre do combate (leia-se punição ou extermínio), apesar das leis sustentarem  a falaciosa “ressocialização” .

A importância concedida à atuação dos vendedores das drogas ilícitas, nos vários espaços públicos da cidade, assume ampla atenção dos setores sociais, sendo a imprensa a de maior expressão. Portanto, recai sobre estas pessoas (vendedores de drogas do varejo) um desvalor significativo, estigmatizante, para os quais exige-se grande rigor na contenção e punição (repressão), enquanto que nos atos antecedentes do fluxo de produção e distribuição pouco se conhece sobre o que faz.

Considerando, assim, que o consciente coletivo considera o vendedor de drogas a pessoa mais perigosa deste ciclo, e que este deve ser reprimido pelo Estado, avalia-se, política e cientificamente, os motivos que levam esta pessoa a realizar a venda e qual a medida mais eficiente que deve ser aplicada à este. Este debate resulta na relação discursiva tensa entre os que desejam a repressão (confessadamente a punição ou extermínio, vide a flagrante frustração, televisionada, da polícia e da população, contra o grupo de “traficantes” que evadia-se do complexo do alemão, quando sobrevoavam a favela no dia da “ocupação”).

A nova lei de drogas manifestou declarada proteção aos consumidores, visto os riscos do consumo que atingem o próprio consumidor, mas também à sua família. Este não é o problema, pois quando a pessoa está disponível para às drogas a sua condição de determinação se reduz maximamente. A questão que merecia destaque similar é a proteção daquele que (por uma condição sócio-econômica e familiar) resolve vender, se expondo às ações dos policiais e da política de encarceramento que não transforma a sua vida para melhor. Por que falar em prevenção e não considerar que o vendedor do varejo também está vulnerável e exposto aos danos desta prática que inviabiliza um futuro de qualidade?

Neste cenário pouco estável, estão presentes vários atores que possuem a responsabilidade de alterar este quadro nefasto. A autoridade da Polícia Judiciária, o membro do Ministério Público e o Magistrado devem agir de acordo com as cobranças sociais e institucionais, sobre o comércio de drogas, a fim de conter e minimizar o volume desta prática delituosa. Mas quais os parâmetros políticos que devem nortear as suas ações? Como decidir sobre a vida do jovem vendedor de drogas, considerando que este coloca o produto nocivo à venda para aqueles que desejam consumir? De que forma decidir se o jovem é vendedor ou não, para além das lacunas da lei, considerando, ainda o seu futuro? Como comprometer-se com o jovem se a futura pena para o traficante lhe proporcionará piores condições pessoais? Enfim, deve haver envolvimento sobre a vida do jovem vendedor de baixa renda, ou apenas aplicar friamente a lei punitiva contra o inimigo social, construído de diversas formas pela mídia e pelos representantes do Direito Penal Máximo?

Os critérios caracterizantes do tráfico, segundo a previsão legal, passam pela quantidade até as características do autor, incluindo-se, nestas avaliações de natureza física e subjetiva, o local da ocorrência do fato. Os elementos circunstanciais não estão totalmente claros nem para o policial, muito menos para o representante do Ministério Público e para o Judiciário. Assim, diante das instáveis referências objetivas, é possível que faça grande diferença, para o imaginário repressivo e elitista dos agentes da segurança pública,  que o suposto autor do tráfico esteja “no pé da favela” ou numa esquina da Visconde de Pirajá (Ipanema). Tecnicamente, no Estado de Direito, o Direito Penal e o Processo Penal não poderia admitir tais avaliações subjetivas. O Direito deve ser do fato, e não da pessoa.

III- Características dos casos na esfera judicial  na Cidade do Rio de Janeiro

Em 2011 um grupo de pesquisa da Universidade Candido Mendes-Centro, como atividade do Núcleo de Iniciação Científica-NIC, realizou uma investigação com o objetivo de identificar os critérios utilizados pelos juizes para determinar se a conduta do autor deveria ser caracterizada como consumo ou tráfico (ou ambos).

O grupo composto por alunos de diferentes períodos do curso de Direito, porém todos com aprovação nas matérias de Direito Penal I e II (alguns também em Direito Penal III e IV, e Criminologia), realizou a pesquisa de campo no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, especificamente nas Varas Criminais e no Centro de Jurisprudências. Houve também a pesquisa virtual, visando identificar no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça determinados casos com decisões em primeiro e segundo graus de jurisdição.

Inicialmente, é preciso destacar que, mesmo com a identificação institucional de alunos-pesquisadores, em inúmeras varas criaram dificuldades para a realização da pesquisa, pois os servidores, confusos e inseguros, alegavam sigilo e, portanto, negavam o acesso aos autos, por mais que os alunos insistissem e comprovassem o motivo acadêmico (considera-se importante para a formação do aluno, especialmente no Curso de Direito, cuja tendência é de que seja Legalista, Conservador, Positivista e não reflexivo).

Após a sistematização dos dados colhidos na pesquisa, realizada ao longo de 2011 (entre abril e novembro), foi possível reconhecer um “certo” padrão entre os juízes, no que tange as questões mais comuns nos processos: a) quantidade da droga relacionada a condição da pessoa; e relevância das informações prestadas pelos policiais envolvidos no fato, que efetuaram as prisões.

A impressão obtida sobre estes entendimentos nos levaram a questionar o meio pelo qual estas decisões se assemelham, visto que que não há uma formação cogente institucional para o exercício do cargo, como critério de um processo de formação. Todavia, resta possível o esclarecimento desta verossimilhança funcional, encontrada nas varas criminais da Capital do Estado do Rio de Janeiro, entre os magistrados, se iluminamos influentes elementos norteadores deste entendimento técnico-legal:[2]

a) Escola de Magistratura;
b) Mídialização do discurso punitivo;
c) Preponderância da tipificação e da construção do “fato” segundo a narrativa dos policiais militares responsáveis pelas ações de abordagens e prisões, e dos policiais civis responsáveis pelos registros de ocorrência e tipificação dos fatos.

A EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) não é uma etapa básica e formal para obtenção do cargo, em concurso público, mas uma formação facultativa disponível para os bacharéis em Direito. A proposta oficial da EMERJ é contribuir na formação dos juristas a partir, certamente, de determinados entendimentos considerados fundamentais da ação judicante. Enquanto curso complementar destinado aos bacharéis, o curso atualmente tem status de pós-graduação lato sensu.

A imprensa, enquanto veículo de informação (não de formação, por uma questão de escolha das empresas de comunicação), está representada, na sua maioria, por empresas que dominam o mercado, ou seja, a quantidade de público que lhes preferem.  Neste quadro do controle da informação, é comum presenciarmos a massificação de propagandas de produtos, de fatos trágicos e da violência. Pouco se aufere de cunho cultural, salvo em determinados horários e emissoras, não raro esteja destinado aos assinantes de canais “fechados”. Desta forma, a chamada TV Aberta possui um fio triplo condutor evidente que a caracteriza: venda, sensacionalismo e pouco reflexivo.

No que se refere à importância que se concede as versões dos policiais militares e ao contido nos registros de ocorrência (seja inquérito ou flagrante), a ação dos magistrados fica na esteira das alegações produzidas pelos referidos policiais, sem um melhor aprofundamento dos fatos. O “fato em si”, de natureza técnico-legal, é o que ocupa a atenção dos magistrados, que se detêm a precisar, em tese confirmatória declaradas nos procedimentos policiais, a autoria e materialidade. No entanto, sobre as condutas que envolvem “drogas” torna-se exponencialmente vultuosa a determinação da conduta, pois ou será considerado “protegido” (consumidor vitimizado pela política de redução de danos) ou “bandido” (traficante diante dos discursos dominantes nos diversos setores sociais, principalmente nos órgão de segurança pública e nos meios de comunicação). Desta forma, a problematização do fato criminal, enquanto fenômeno social, não se revela nos processos, havendo, tão e simplesmente, o ajuste fático para a aplicação da medida, destinado ao consumidor, ou para a aplicação da pena de prisão, destinado ao “traficante”.

O resultado da pesquisa revelou, nas fontes pesquisadas, os seguintes resultados por amostragem:

a) 90% dos casos os autores são homens;
b) 95% dos casos os magistrados se basearam nas versões dos policiais;
c) 70% dos casos que foi pleiteada a reforma da sentença para que considerasse consumo foram mantidas as decisões de determinaram a traficância na conduta, apesar de não ultrapassarem, na maioria dos casos, a quantidade de 50g.;
d) 80% dos casos os considerados autores de tráfico eram moradores de favelas;
e) 90% dos casos as sentenças não consideraram a alegação do consumo ou apesar de considerarem não excluíram a conduta cumulativa de tráfico.

Denota-se das informações obtidas que as evidências são construídas, a partir de uma interpretação, e que para a (re)afirmação da necessidade de se determinar a conduta de tráfico pouca importa a quantidade, mesmo que  seja reduzida, pois a condição do autor (se pobre ou morador de favela) e as condições de armazenamento da droga sempre se destacaram nas fundamentações das sentenças. Assim, mesmo em caso do autor estar de posse de 10 g ou 11 kg, as sentenças possuem argumentos bem distintos para caracterizar o consumo, afastando-se o tráfico, dependendo da condição do autor. Nas sentenças que determinaram o consumo havia em comparação às outras sentenças, as mesmas informações dos processos que persecutavam a possibilidade do tráfico (atitude suspeita, quantidade semelhante e vários tipos de  drogas com a mesma pessoa), mas a condição sócio-econômica é que se diferenciava. Em um determinado caso, que o autor se encontrava em um hotel, na zona sul da Cidade do Rio de Janeiro, foram encontrados mais de 10kg de maconha, mas a acusação de tráfico não restou mantida, para o magistrado, pois considerou não comprovado tráfico, e o pedido do MP foi julgado improcedente (atualmente em fase de recurso).

Constatou-se, assim, que a não existência de prova concreta, e a não previsão legal determinante do tráfico, possibilita que o juiz leve em consideração as condições pessoais do autor e as alegações padronizadas dos policiais militares. E como, na grande maioria dos casos, estes são, nitidamente, pessoas pobres, o resultado comumente é a determinação processual, em sentença, do tráfico, se revelando como uma saída ou solução para aquela pessoa que não oferece nada para a sociedade (e que o governo também não as reconhece). Portanto, com estas condições, sentencia que estas pessoas são perigosas e o único destino, já traçado historicamente, é a pena de prisão, que definha qualquer qualidade positiva existente em todo ser humano (mas os rumores repressivos afirmam não existir nada de bom nestas pessoas, e que, portanto só lhes restam duas saídas definitivas: o túmulo eterno ou o cárcere perpétuo).[3]

Inúmeros trabalhos já publicados relatam a fragilidade dos critérios determinantes do consumo e do tráfico. Este ponto de incômodo já existia na revogada lei, e sempre houve a conexão direta com o perfil do preso nas grandes cidades. Na grande maioria os presos são “não brancos”, pobres, e subanalfabetos, ou seja, pouco qualificados para o mercado de trabalho que exige cada vez mais do cidadão competitivo. Existe a pessoa que consome e a pessoa que vende, neste comércio criminalizado. A que vende, e que está sujeita as adversidades da conduta (ser preso ou morto), certamente poderia ter uma opção de  maior vantagem, se a política não fosse simplesmente a de combate e de prisão.

Portanto, como a nova lei de drogas prescindiu de uma regra taxativa e os delegados, promotores e magistrados não se postam de forma crítica e indignada, sobre esta conjuntura política e legal que escolheu proteger o cidadão consumidor (vítima de sua subjetividade complexa), e punir o “bandido” (que deixa de ser pessoa e cidadão e ainda não é vítima nem produto da escolha dos que protegem os consumidores), assistiremos o crescimento da população carcerária e a diminuição de vidas, caso elas sejam ainda reconhecidas nas reveladoras pesquisas sobre o resultado da Ideologia Seletiva do Brasil.

Conclusão

Diante dos elementos obtidos na pesquisa, desenvolvida no âmbito acadêmico da Universidade Candido Mendes, foi possível robustecer as análises científicas nacionais e internacionais que, em intercâmbio, questionam a política de combate ao mercado clandestino de drogas ilícitas, na medida em que esta prática criminalizada ocupa grande volume operacional do sistema de justiça, que se inicia na ação policial ostensiva ao julgamento nas câmaras criminais dos tribunais.

Velhas questões como os critérios que determinam as específicas ações do consumo ou do tráfico, objeto da pesquisa gestante deste texto, permanecem ainda no terreno frágil da subjetividade, recaindo, comumente, sobre as condições do autor (Direito Penal do Autor-Direito Penal do Inimigo). Cabe a Criminologia expandir ao máximo esta análise crítica, a fim de influenciar os juristas extremamente legalistas, que vêem no Direito Penal Repressor a única saída para todos os males da sociedade moderna.

Vibra-se, há décadas, para uma política mais eficiente sobre o comércio de drogas, mas que não se restrinja ao confronto letal dos vendedores das áreas urbanas, tendo em vista a indiferente resposta obtida, ou seja, eliminação de vidas e permanência do comércio.

Cabe, pois, aos agentes envolvidos (policiais militares, policiais civis, promotores de justiça e magistrados) a difícil tarefa de questionar este fenômeno cosmopolita e periférico do Estado, a partir das obrigações públicas de incluir estes jovens e adultos, que buscam também a satisfação de seus desejos materiais primordiais ou não, em outras dinâmicas que não sejam a participação neste lucrativo  e perverso “mercado do mal”, assim compreendido, mas que, por contrário, cresce sistematicamente, e que tutela apenas o usuário ou dependente. É um sinal claro de escolha de prioridades: matar, prender ou excluir, nas táticas de “guerra urbana”,  ou torná-los cidadãos vivos, munidos de identidade social, qualificação educacional e participação no mercado de trabalho. É uma questão de escolha!

Bibliografia

ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia. Uma fundamentação para o Direito Penal. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2010.

DORNELLES, João Ricardo W. Conflitos e Segurança. Entre pombos e falcões. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2003.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Puc-Rio. 2002. Rio de Janeiro.

GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC. 1988. Rio de Janeiro.

GOFFMAN, Erving. A representação do Eu na vida cotidiana. Vozes. Rio de Janeiro. 2005.

JUNIOR, Miguel Reale (org). Drogas. Aspectos penais e criminológicos. Forense. 2005. São Paulo.

WACQUANT, Loic. Os condenados da cidade. Revan. 2001. Rio de Janeiro.

THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos. O crime e o criminoso entes políticos. Lumen Juris. 1998. Rio de Janeiro.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Revan. 2001. Rio de Janeiro.

[1] Artigo produzido como produto final da projeto de pesquisa sobre os critérios judiciais determinantes do consumo e do tráfico de drogas. NÚCLEO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – NIC/UCAM. Grupo de Pesquisa. Coordenação do grupo de pesquisa: Prof. Aderlan Crespo. Alunos pesquisadores: Christina de Aguiar Barbosa, Marilha Gabriela, Matheus Ohana, Swanee Pacheco Othuki, Tatiana Emmerich.

[2]A pesquisa contemplou um total aproximada de 100 processos em  10 varas criminais.

[3] “Segundo os dados da pesquisa feita apenas nas favelas em 2007, 71% delas são dominadas por traficantes e 28,9% são dominadas pelas milícias. Isso não quer dizer que haja no Brasil algo similar à segregação espacial em guetos existente nos Estados Unidos da América. Nessas pesquisas de vitimização feitas na cidade e nas favelas do Rio de Janeiro, assim como nas pesquisas do IBGE, temos que levar em conta que a cor ou a raça é auto-designada no Brasil, ou seja, a pessoa diz qual é a sua cor, qual é a sua raça. Isto quer dizer que não há coincidência entre o que é considerado branco no Brasil e o branco nos Estados Unidos, porque a nossa classificação é por marca e não por ascendência oficialmente registrada. O filho de uma pessoa preta, com a pele mais clara  e outras características pode ser considerado branco. Além disso, há uma gradação de cores mais acentuada e, sobretudo, mais reconhecida por todos no Brasil. Em suma,  o racismo nos Estados Unidos é claramente dicotômico (brancos e negros), enquanto o racismo no Brasil é hierárquico, visto que as gradações de cor têm importância na produção social da hierarquia considerando o que é considerado mais bonito, superior, de maior qualidade. Nas favelas do Rio de Janeiro, 45% das pessoas nas favelas se auto-classificam como brancas. 20% como pretos, ao contrário da cidade como um todo em que 9% da população se auto-classifica de pretos e 34% de pardos ou mulatos e 56% de brancos. Ou seja, não se pode falar da favela como gueto racial ou dizer que explicação está na exclusão, sem precisar de que exclusão se fala.  Ainda mais impressionante é a diferença de abordagem e tática policial na cidade regular em comparação com a favela.Por fim, diante desses dados tão contundentes, pode-se discutir o que fazer em termos de medidas pró-ativas, medidas que previnam ou que se antecipem ao crime. Em primeiro lugar, é preciso pensar em como sustar esse fluxo das armas e munições que vão parar nas mãos dos jovens vulneráveis nas áreas mais pobres e onde a associação perversa entre traficantes e policiais corruptos as fazem tão facilmente acessíveis. Restringir o fluxo de armas para os locais mais perigosos e inseguros da cidade significa investigar melhor as redes de fornecedores de armas e drogas.Em segundo lugar, para que os obstáculos à entrada das armas dêem resultados mais duradouros, é preciso atentar também à socialização dos jovens de modo a reverter a atração que sentem pela dureza, pela crueldade, e pelo uso de armas para se afirmar como homens, ou seja, desarmá-los do instrumento e posturas da morte internamente, na sua formação subjetiva.Em terceiro lugar, as outras medidas de prevenção se referem à educação para a civilidade, ou seja, educar para desenvolver o orgulho de ser homem por respeitar os outros e não pela disposição de matar o semelhante, não por ser agressivo com o outro, mas por saber controlar suas emoções, por mostrar-se civilizado, por saber negociar através do diálogo, tal como é feito no esporte.socialização na civilidade deveria ser feita em toda parte: na mídia, nas escolas, nos juizados, nos postos de saúde, nos hospitais”.Alba Zaluar. Fundadora e coordenadora do Núcleo de Pesquisa das Violências (NUPEVI) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ. http://www.citizenship.icosgroup.net/documents/
New_Approaches/Novas_Abordagens.pdf)

“Este simpósio no Rio é a ocasião de propor novas idéias para que as políticas de drogas sejam um assunto estratégico a todos os níveis . Gostaria de dizer que antes que as actuais convenções sobre drogas fossem escritas, já em 1922 a Conferencia Asiática da Cruz Vermelha reunida em Bangcok tinha feito uma declaração pedindo uma acção humanitária para enfrentar o abuso das droga Actualmente, há mais de 200 milhões de pessoas que usam drogas no mundo;A declaração do Consenso de Roma sobre uma política humanitária de drogas foi assinada pela primeira vez em Dezembro em Roma durante o Seminário de alto nível “Fazendo uma ponte entre a saúde pública e as politicas de drogas” organizado pela Cruz Vermelha Italiana e o ICOS em 2005”.

Oscar Zuluaga.Representante Especial da Cruz Vermelha para o Consenso de Roma sobre Política Humanitária de Drogas. Conselheiro Sênior do Conselho. Internacional de Segurança e Desenvolvimento (ICOS). http://www.citizenship.icosgroup.net/documents/
New_Approaches/Novas_Abordagens.pdf)

CRESPO, Aderlan. "Critérios judiciais determinantes do consumo e do tráfico"

A Lei Seca e a Decisão do STJ

A Lei Seca e a decisão do STJ



No último dia 28 de março, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que somente o bafômetro e o exame de sangue seriam as possíveis provas para se comprovar o grau de embriaguez do cidadão.

A Lei Seca tipificou o crime de acordo com o artigo 306 do CTB, no qual “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

No entanto, para que se torne possível mover uma ação penal contra o agente, é necessário que se prove o ato de dirigir embriagado, o que por muitas vezes gera um problema Poder Judiciário, pois muitas pessoas se recusam a realizar os testes de bafômetro e exame de sangue, utilizando-se do princípio nemo tenetur se detegere, chamado de princípio da não auto-incriminação, ou seja, o direito de não precisar produzir prova contra si, mesmo se a ordenação for feita por uma autoridade.

O princípio pode ser interpretado pelos artigos das respectivas leis:

- 14.3, "g", do PIDCP: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito às seguintes garantias mínimas, em plena igualdade. (g) Não ser obrigada a testemunhar contra si mesma nem a confessar-se culpada.”

- 8º, 2, "g", do CADH: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.”

- 5º, LXII, da CF: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e de advogado.”

Para imputar o resultado ao agente e caracterizar como infração à lei penal, será necessária a comprovação de no mínimo 6 decigramas de álcool por litro de sangue, conforme estabelece o Decreto 6.488/08, mas somente o exame de sangue e o bafômetro são capazes de constatar essa quantidade.

Decreto 6.488/08:

Art. 1o Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades administrativas do art. 165 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997-Código de Trânsito Brasileiro, por dirigir sob a influência de álcool.

§1o As margens de tolerância de álcool no sangue para casos específicos serão definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito-CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde.

§2o Enquanto não editado o ato de que trata o § 1o, a margem de tolerância será de duas decigramas por litro de sangue para todos os casos.

§3o Na hipótese do § 2o, caso a aferição da quantidade de álcool no sangue seja feito por meio de teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), a margem de tolerância será de um décimo de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.

Art. 2oPara os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de 1997-Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

I-exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou

II-teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.

A minintra do STJ Maria Thereza de Assis Moura afirmou em sua decisão que “se o tipo penal é fechado e exige determinada quantidade de álcool no sangue, a menos que mude a lei, o juiz não pode firmar sua convicção infringindo o que diz a lei”, e também ressaltou a questão do direito de não produzir prova contra si mesmo. Disse ser indamissível a utilização de outros meios de prova (por exemplo, a testemunhal) para constatar a embriaguez, caso o cidadão se recusar a fazer o exame de sangue ou o teste do bafômetro.

A ministra também ressaltou na decisão que “a lei não contém palavras inúteis e, em nome de adequá-la a outros fins, não se pode ferir os direitos do cidadão, transformando-o em réu por conduta não prevista em lei. Juiz julga, e não legisla. Não se pode inovar no alcance de aplicação de uma norma penal. Essa não é a função do Judiciário”.

O desembargador convocado criticou o método da legislação e não do Judiciário, ressaltando que “ O trânsito sempre matou, mata e matará, mas cabe ao Legislativo estabelecer as regras para punir, e não ao Judiciário ampliar as normas jurídicas” e que “não se pode fragilizar o escudo protetor do indivíduo em face do poder punitivo do estado. Se a norma é deficiente, a culpa não é do Judiciário”,

Por outro lado, o ministro Marco Aurélio Belizze disse que a lei não pode ser interpretada em sentido puramente gramatical, e que uma testemunha ou exame médico é suficiente para os casos "evidentes", quando os sintomas demonstram que a quantidade de álcool está acima da permitida. Acredita também ser intolerável “que o infrator, com garrafa de bebida alcoólica no carro, bafo e cambaleando, não possa ser preso porque recusou o bafômetro”.

A decisão do STJ, que foi de 5 votos contra e 4 a favor, de produzir novas provas, determinará que as instâncias inferiores a adotem, até aos processos que estavam suspensos desde 2010 aguardando a decisão da Corte.

Por ser um problema na legislação e não do Judiciário, o juiz deverá se sujeitar a lei, respeitando o limite que ela apresenta. Por isso, segundo a reportagem da folha nesta quinta-feira, o deputado Marco Maia disse que o projeto que considera crime dirigir depois de ingerir qualquer quantidade de bebida alcoólica será votado nos próximos dias.

O projeto como política de “álcool zero” apresenta propostas de provas de embriaguez além do bafômetro, como a prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.