1 – Fundamento constitucional
A
Constituição Federal no Título VIII, que trata da Ordem Social, cuidou
da tutela do meio ambiente através de um capítulo específico, mais
precisamente o capítulo VI, onde no artigo 225 estabelece que “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Verifica-se
de imediato que tal artigo além de estabelecer que todos têm um
direito, ou seja, ao meio ambiente equilibrado, que é um bem de uso
comum e essencial à sadia qualidade de vida, também impõe um dever a
todos, inclusive o poder público, ou seja, o de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.
Visando
dar maior efetividade à proteção do meio ambiente, o constituinte
inseriu no § 3º do artigo 225 da Constituição Federal a
responsabilização penal da pessoa jurídica, ao estabelecer o seguinte:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados”.
2 – Das posições doutrinárias
A
questão acima colocada é polêmica e conforme esclarece o mestre Vicente
Gomes da Silva existem aqueles que afirmam não ser possível a
criminalização e responsabilização da pessoa jurídica sob o argumento de
que a responsabilidade penal é pessoal e se traduz numa vinculação
direta entre o homem e sua conduta e não de terceira pessoa, e por tal
motivo, não haveria a possibilidade de uma pessoa jurídica praticar
qualquer conduta, já que o ato de vontade é algo indispensável e de
vinculação direta com a pessoa física.
Contrário
a esse entendimento os professores Nicolau Dino de Castro e Costa Neto,
Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa, ensinam:
“...
O princípio da pessoalidade da pena está previsto no art. 5º , inciso
XLV e quer dizer que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, e que
ninguém será responsabilizado criminalmente por ato de outrem.
Ora,
quando um preposto, administrador ou sócio de uma empresa praticam ato
típico, e a responsabilidade por esse ato é sustentada pela empresa, não
há ruptura do pressuposto constitucional causado pela comprovação de
que o ato, em verdade, era ato da própria empresa, apenas praticado por
intermédio de um seu representante.
O
ato criminoso, na verdade, não é ato da pessoa física, mas sim ato da
própria pessoa jurídica que se corporifica por meio de um dos seus
dirigentes, empregados, sócios ou prepostos.
O
ato não é da pessoa física e a responsabilidade sustentada pela pessoa
jurídica, mas sim ato do ente moral sustentado por ele próprio...”.
Ainda
assim, outros estudiosos, como o professor René Ariel Dotti, afirmam
que o legislador constituinte não estabeleceu os contornos jurídicos da
responsabilidade penal da pessoa jurídica no art. 225, na medida em que
tal atitude conflitaria com o disposto no art. 5º da mesma carta, que
preceitua o princípio da individualização da pena e da culpabilidade.
Entretanto, conforme esclarece o Promotor de Justiça, Alexandre
Herculano Abreu, do Ministério Público de Santa Catarina, quando a
questão, se refere a princípios constitucionais tais normas devem ser
interpretadas de maneira unitária, objetivando não entrar em
contradições e buscando a harmonia de tais dispositivos, de acordo com o
princípio da unidade de interpretação das normas constitucionais.
Não
obstante tais questionamentos, é certo que em diversos casos, onde
ficaram caracterizados a prática de crimes ambientais, considerados de
menor potencial ofensivo, pessoas jurídicas concordando com a autoria
dos crimes a elas atribuídos, aceitaram a transação penal, com aplicação
imediata da medida alternativa (restritiva de direito ou multa),
evitando a instauração de processo criminal
Igualmente,
naqueles crimes em que a pena imposta não é superior a um ano, pessoas
jurídicas têm concordado com a suspensão do processo, mediante condições
avençadas, e após decorrido o prazo da suspensão, com o cumprimento das
condições e comprovada a reparação do dano ambiental, através de laudo,
é declarada extinta a punibilidade (na forma dos artigos 27 e 28 da Lei
9.605/98)
3 – Da posição da jurisprudência
Conforme
levantamento realizado pelo Desembargador Eládio Lecey, alguns casos
não possibilitaram a transação penal ou a suspensão do processo e
chegaram aos Tribunais de segundo grau. Citamos, assim, o Recurso
Criminal 00.020968-6, julgado pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, onde foi relator o Desembargador Sólon
d’Eça Neves, que deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público, e determinou o recebimento da denúncia contra a empresa
Agropastoril Bandeirante Ltda., pela prática de crimes previstos na Lei
nº 9.605/98. Nesse caso haviam sido denunciados tanto a empresa quanto
os sócios, pessoas físicas, mas o juiz de primeiro grau havia rejeitado a
denúncia em relação à empresa, recebendo-a somente quanto às pessoas
físicas. Por unanimidade o Tribunal acatou o recurso, com a seguinte
ementa: “Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo
da ação penal que tenta apurar a responsabilidade criminal por ela
praticada contra o meio ambiente”.
Outro
caso que merece destaque diz respeito à ação penal 2000.70.00.019440-4,
proposta perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Paraná, onde a
Petrobrás, pessoa jurídica de direito privado e alguns de seus
dirigentes foram denunciados pela prática de crime previsto no artigo 54
da Lei nº 9.605/989, e foi interposto mandado de segurança visando
trancar a ação penal contra a pessoa jurídica, que foi negado, por
unanimidade, pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
constando da ementa do julgamento, o seguinte:
“Crime
contra o meio ambiente. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica.
Possibilidade. Evolução Histórica do conceito de pessoa jurídica.
Passagem da criminalidade Individual ou clássica para os crimes
empresariais... . Imputação penal às pessoas jurídicas. Capacidade
jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao
papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Possibilidade da
pessoa jurídica praticar crimes dolosos, com dolo direto ou eventual, e
crimes culposos. Culpabilidade limitada à manifestação de vontade de
quem detém o poder decisório”. (Mandado de Segurança
2002.04.01.013843-0/PR).
A
primeira sentença que se tem notícia, condenando pessoa jurídica pela
prática de crime contra o meio ambiente foi proferida em 18 de abril de
2002, sendo decisão do magistrado Luiz Antônio Bonat, Juiz Federal da 1ª
Vara de Criciúma, SC, no processo 2001.72.04.002225-0, condenado a
empresa A.J.Bez Batti Engenharia Ltda, e seu diretor, pela prática dos
crimes 48 e 55 da Lei nº 9605/98, em concurso formal, sendo tal sentença
mantida, à unanimidade, em 06 de agosto de 2003, pelo Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, julgando a apelação criminal nº
2001.72.04.002225-0/SC, onde foi relator o Desembargador Federal Élcio
Pinheira de Castro, sendo, portanto, também a primeira condenação de
pessoa jurídica pela prática de crime ambiental em segundo grau de
jurisdição.
4 – Da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público
Outra
questão controversa é em relação à responsabilização tão somente da
pessoa jurídica de direito privado, ou também das de Direito Público.
Entendemos ser mais correto o entendimento dos professores Vladimir
Passos Freitas e Gilberto Passos Freitas, que entendem que somente cabe a
responsabilização da pessoa jurídica de direito privado, pois a pessoa
jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, autarquias e federações públicas) não podem cometer ilícito
penal no seu interesse ou benefício. Elas ao contrário das pessoas de
natureza privada, só podem perseguir fins que alcancem o interesse
público. Quando isso não acontece é porque o administrador público agiu
com desvio de poder. Em tal hipótese só a pessoa natural pode ser
responsabilizada penalmente, e os agentes públicos poderão ser
responsabilizados pelos atos que tenham concorrido para que ocorressem.
5 - Ausência de violação ao princípio nulla poena sine lege
Superada
essa discussão, cumpre frisar que a lei 9605/98 não fere o princípio da
“nulla poena sine lege” pelo fato dos tipos penais descritos na mesma
não conterem as penas aplicáveis às pessoas jurídicas, prevendo apenas
penas privativas de liberdade e multa aplicáveis à pessoa física. Ainda
que a lei tenha estabelecido as penas de prestação de serviços à
comunidade, consistente na execução de obras de recuperação de áreas
degradadas e contribuições a entidades ambientais e culturais públicas,
sem fixar seus quantitativos mínimos e máximos não restará caracterizada
ofensa ao referido princípio.
Conforme
ensina Eladio Lecey “nem sempre preceito e sanção precisam estar num
mesmo dispositivo legal, bastando lembrar as conhecidas normas ditas
imperfeitas, mas que completas são no sentido de configurarem norma
penal incriminadora, contendo num dispositivo de lei o preceito e noutro
a sanção aplicável a quem descumprir aquele, como as previstas na Lei
de Abuso de Autoridade, Lei 4898/65 que, nos diversos incisos dos
artigos 3º e 4º descreve os tipos e no artigo 6º, parágrafo 3º prevê as
sanções penais aplicáveis”. Da mesma ocorre com a lei nº 9605/98, onde
no capítulo V descreve os crimes e nos artigo 21 a 23 prevê as penas
aplicáveis à pessoa jurídica. O artigo 24 não constitui pena, mas efeito
da condenação, ou seja, liquidação forçada.
II – DO PROCESSO CRIMINAL CONTRA PESSOA JURÍDICA
1 – Considerações preliminares
Cumpre
ressaltar que a lei nº 9605/98 veio para disciplinar a
responsabilização da pessoa jurídica pelas atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente, responsabilizando-a, de maneira expressa, sem
deixar dúvidas de sua vontade agora assegurada pelo texto constitucional
e pela norma legal, mas também recebeu críticas pela ausência de regras
processuais e procedimentais específicas, pois somente três artigos
abordam tais questões: o artigo 26 que estabelece que a ação penal será
sempre pública incondicionada; o artigo 27 que cria regras especiais
para a transação penal e o artigo 28 que determina no caso de suspensão
do processo a efetiva constatação da reparação do dano ambiental para
que seja declarada a extinção da punibilidade.
Ocorre,
que no ordenamento jurídico, que deve ser visto como um todo
encontramos as respostas para todas as indagações ou inquietações.
2 – Dos requisitos da denúncia
A) Da questão do concurso necessário
Quanto
à alegada existência de concurso necessário entre a pessoa jurídica e a
pessoa natural, cumpre ressaltar que os crimes estabelecidos na Lei nº
9605/98 são de autoria singular, admitindo-se eventual concurso de
agentes, estando, entretanto, previsto, no artigo 3º da mencionada lei,
de forma expressa, a co-responsabilização entre a pessoa jurídica e as
pessoas físicas, autoras, co-autoras e partícipes. Se o “caput” do
mencionado artigo estabelece como requisito da responsabilidade criminal
da pessoa jurídica que a infração “seja cometida por decisão de seu
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado”, sempre
haverá uma ou mais pessoas deliberando pela pessoa jurídica, e,
portanto, concurso de agente entre esta e pessoas físicas.
Outras
pessoas também poderão ser responsabilizadas pela prática do crime,
como, por exemplo, os empregados que executarem as tarefas que
caracterizem o crime, desde que presentes outros requisitos necessários à
sua imputação, entre eles, a exigibilidade de conduta diversa,
caracterizando, assim, o concurso previsto no parágrafo único do artigo
3º da lei nº 9605/98.
Dessa
forma, caracterizado o concurso de agentes com a pessoa natural que
deliberou pela pessoa coletiva, deverá tal fato estar explicitado e
narrado com suas circunstâncias fáticas na denúncia.
Esse entendimento, que é o mesmo do Desembargador Eládio Lecey, estudioso da matéria, tem encontrado respaldo nas decisões
dos Tribunais, que têm reconhecido a inépcia da denúncia quando não se
permite concluir que o delito foi cometido por decisão de representante
legal ou contratual, ou de órgão colegiado da empresa acusada (MS.
34440/8, 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada Criminal de SP, MS.
2001.02.01.046636-8, 5ª Turma, Tribunal Regional Federal da 2ª. Região e
RE 331929-SP (2001/00866677-9) do Superior Tribunal de Justiça.
Atenção: Entretanto,
quando não for possível esclarecer qual ou quais pessoas que
deliberaram em nome da pessoa jurídica ou de qualquer forma concorreram
para a prática do crime, evidentemente que tal fato não será óbice para o
oferecimento da denúncia. Para melhor ilustrar tal situação, citamos o
exemplo utilizado por Tupinambá Pinto de Azevedo, quando os sócios
membros de órgão colegiado, em reunião com votação secreta, em decisão
não unânime, deliberam em nome da pessoa jurídica. Assim, bastará citar
tal circunstância na peça denunciatória, esclarecendo a impossibilidade
de identificação das pessoas físicas, para atender o requisito da lei
penal ambiental.
B) Finalidade específica da conduta
Outro
requisito que deve ser observado é que a infração deve ser praticada no
interesse ou benefício da pessoa jurídica. Em regra toda deliberação no
exercício regular da atividade de uma empresa, será no seu interesse ou
benefício. Ocorre, que bem lembra o autor Eládio Lecey, determinada
conduta poderá ser exercitada sem deliberação por quem de direito, ou
com excesso de mandato ou até contrariamente aos interesses da empresa.
Nesses casos, somente a pessoa ou pessoas físicas deverão ser
responsabilizadas. A deliberação da empresa, e o conseqüente benefício
ou interesse da mesma não precisa, necessariamente, constar em ata, pois
este fato dificilmente ocorrerá, mas ainda que a vantagem seja
implícita, tal fato deverá constar na denúncia. Nesse sentido citamos os
seguintes julgados e parecer:
“As
pessoas jurídicas podem ser processadas por crime ambiental, todavia, a
denúncia deve mencionar que ação ou omissão foi fruto de decisão de seu
representante legal ou contratual, ou do seu órgão colegiado, ainda que
esta decisão tenha sido informal ou implícita” (MS
2002.04.01.054936-2/SC – Relator Des. Vladimir Passos de Freitas).
“O
art. 3º da Lei nº 9605/98 condiciona a responsabilidade criminal da
empresa ao fato de ter sua direção atuado no interesse ou benefício de
sua entidade. O que se deve examinar para saber se o tipo penal do art.
3º da Lei 9605/98 acabou por ser subsumido é analisar o conteúdo da
decisão do órgão diretivo. Se ela foi tomada no desenvolvimento
empresarial e para garantir o sucesso dele, não há interesse individual
do gerente na decisão, mas da sociedade. Logo, a mesma surgiu para
satisfazer o interesse da garantia do resultado da produção. Esse
proveito para o sucesso da empresa pode ser intencional (dolo) ou fruto
de negligência (culpa)” (MS 2002.04.01.013843-0/P – Relator Des. Federal
Fábio Bittencourt da Rosa – Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
“Indiscutível
a desnecessidade de ato formal. Todavia, necessária a indicação mínima
de tomada de posição. Por exemplo: orientação para contenção de
despesas, para compra de material de baixa qualidade, a demissão de
funcionários qualificados e contratação de inexperiente, a instalação de
uma fábrica sem o licenciamento ambiental, etc.” (Parecer da
Subprocuradora-Geral da República, Doutora Elda Wiecko V. de Castilho,
no RE 331929-SP (2001/0086677-9) do STJ.
3 – Do rito processual
Quanto
ao procedimento, aplicam-se, por integração, as regras e garantias
processuais gerais, ou seja, os chamados comuns, ordinário ou sumário,
de acordo com as penas cominadas e o procedimento sumaríssimo da lei nº
9099/95 nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, observando-se
as regras especiais previstas nos artigos 27 e 28 da Lei nº 9605/98, ou
seja, prévia composição do dano ambiental na transação penal e
constatação da reparação do dano ambiental como condição à extinção da
punibilidade na caso de suspensão do processo.
A) Aplicação dos institutos despenalizadores dos JECRIM
Conforme
ensina Eladio Lecey, “em se tratando de infração penal de menor
potencial ofensivo, sendo que a maioria dos crimes previstos na Lei
9605/95 se enquadra na classificação, será admissível composição do dano
e transação penal, sem instauração de processo criminal e declaração de
extinção da punibilidade, composto o dano e cumpridas as medidas
aplicadas na transação. Ainda, admissível a suspensão do processo tanto
nos delitos de menor quanto nos de “médio potencial ofensivo”, no que
abarcada a quase totalidade das infrações contra o ambiente”.
B) Representação da pessoa jurídica
Em
relação à representação das pessoas jurídicas, aplica-se o disposto no
artigo 12 do Código de Processo Civil, que estabelece, no inciso VI, que
serão representados em juízo, ativa e passivamente, as pessoas
jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os
designando, por seus diretores. Em se tratando de pessoa jurídica
estrangeira a solução encontra-se no inciso VII.
Cumpre
ressaltar que em relação às pessoas jurídicas não há necessidade de se
exigir poderes expressos no mandato outorgado, pois os artigos 10 e 11,
parágrafo único da lei nº 10.259/01 autorizam os representantes das
pessoas jurídicas, tanto de direito público federal quanto as de direito
privado a conciliar e transigir, sendo que o último artigo citado faz
referência expressa aos artigos 71, 72 e 74 da lei nº 9099/95,
autorizando, portanto, tanto a composição dos danos como a transação
penal, devendo ser tais normas aplicadas aos juizados especiais
criminais por isonomia e analogia.
Entretanto,
considerando que os dispositivos da Lei nº 10.259/01 acima mencionados
não trazem nenhuma menção ao artigo 89 da lei nº 9099/95, que trata da
suspensão do processo, é conveniente a exigência de poderes expressos ao
representante da pessoa jurídica para essa finalidade.
Deve
ser destacado que é possível a representação da pessoa jurídica por
pessoa diversa de seu representante legal, mas nessa hipótese será
necessária a designação por escrito, ainda que por mandato genérico,
para a composição do dano e a transação penal, pois os artigos 10 e 11
da Lei nº 10.259/01, referem-se tão somente aos representantes da pessoa
jurídica. Para a suspensão do processo, em se tratando de pessoa
diversa do representante da empresa não bastará o mandato genérico,
necessitando constar poderes específicos, pelos motivos já expostos.
C) Da citação
A
citação da pessoa jurídica deve ser feita na forma no Código de
Processo Penal (arts. 531 e seguintes), ou de acordo com a Lei nº
9099/95, sendo certo que não é possível a citação por correio, e que no
caso de aplicação da Lei nº 9099/95 não é possível a citação por edital.
D) Do interrogatório
Em
relação ao interrogatório, considerando que o mesmo configura meio de
defesa, conforme deixa claro a lei nº 10.792/03, que alterou o Código de
Processo Penal, o mesmo deve ser realizado com a presença do gestor da
pessoa jurídica, conforme posicionamento atual da professora Ada
Pellegrini Grinover, que antes entendia ser aplicável o disposto no
artigo 83 da CLT, para sustentar que o preposto poderia ser interrogado.
Dentre os motivos que a levaram a rever sua posição inicial deve ser
destacado o entendimento de que “não se pode transportar ao campo penal a
previsão do par. único do art. 83 da CLT, no sentido de que a
declaração do preposto obriga o preponente. Ninguém, no processo penal,
pode confessar pelo imputado”.
Entretanto,
conforme questiona o já mencionado Eladio Lecey, em se tratando de
empresas de grande porte com atuação em todo o território nacional, em
que o representante será o presidente, em muitos casos seu depoimento em
nada servirá para apuração dos fatos e até à defesa da empresa ré, pois
poderá estar alheio aos fatos imputados. Nesse caso poderá indicar
procurador que tenha ciência dos fatos para ser interrogado
representando a ré?
Prosseguindo,
questiona como será abordada a questão caso a resposta seja negativa e o
representante da empresa também for réu como co-autor ou partícipe,
poderá ser ele interrogado nas duas qualidades? E se as defesas da
pessoa jurídica e natural forem colidentes?
A
posição não é pacífica, havendo divergência doutrinária e
jurisprudencial. Ao contrário do entendimento acima da professora Ada
Pellegrini Grinover, Tupinambá Pinto de Azevedo entende o seguinte:
“Não
vemos impedimento a que esses representantes outorguem procuração a
terceiros, para que compareçam a juízo e falem em nome da empresa ré. Há
conveniência de que o representante, submetido a interrogatório, tenha
ciência direta dos fatos imputados”, manifestando-se, ainda, pela
indicação de preposto. No mesmo sentido Walter Claudius Rothenburg.
O
professor Eladio Lecey também se posiciona pela “admissibilidade de
indicação de preposto, exigindo-se, no entanto, poderes expressos para
interrogatório e exercício de defesa pessoal em nome da pessoa jurídica.
A regra será então, interrogatório pelo representante legal na época do
ato do interrogatório, com possibilidade de indicação de preposto com
conhecimento dos fatos, explicitando-se no mandato aqueles poderes”.
Embora
também não seja pacífico o entendimento nos tribunais, vale transcrever
parte do voto do Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, no
julgamento do MS 2002.04.01.013843-0-PR, impetrado por empresa nacional
de grande porte inconformada com a decisão de primeiro grau que
indeferiu pedido de indicação de preposto para o ato processual de
prestar interrogatório em nome da pessoa jurídica, que acabou sendo
denegado, integralmente, determinando o interrogatório pelo atual
representante legal:
“O
interrogatório, como se sabe, caracteriza-se como um ato de prova e de
defesa. Revela o fato e todos os componentes a serem analisados no que
se refere à imputação criminal. Uma prova acusatória sem uma confissão
exige muito maior carga de convencimento do que outra que corrobora uma
confissão. Essa é uma evidência de que o interrogatório constitui prova.
Por certo que não tem eficácia exclusiva, podendo até mesmo
caracterizar o crime de auto-acusação falsa descrito no art. 341 do
Código Penal. Também contém eficácia de defesa o interrogatório, sendo
esta a precípua função dele, por isso ficando obrigado o juízo a ouvir o
interrogando em qualquer fase do processo, sob pena de lesão ao
princípio da ampla defesa. O réu, ao falar em juízo, tem a oportunidade
de esclarecer a situação fática, explicar os motivos de sua ação,
revelar fatos desconhecidos em seu proveito, dar sua interpretação
referentemente a provas já colhidas, etc.”
Se
o representante legal da empresa for também réu no mesmo processo e
pelo mesmo fato, colidindo as defesas da pessoa natural e jurídica, no
mesmo voto acima transcrito entendeu-se que “a sociedade não será
interrogada, a não ser que exista outro administrador integrante do
colegiado, que não tenha sido acusado”.
O
Desembargador Eladio Lecey, contudo, entende “que a pessoa jurídica
sempre terá o direito de ser interrogada. Havendo conflito entre sua
defesa e a do representante legal também réu, a solução será o juiz
proporcionar indique a empresa procurador com aqueles poderes
expressos”.
E) Da aplicação da pena
Em
relação aos prazos da pena, embora a legislação não tenha estabelecido,
com exceção da proibição de contratar com o Poder Público e dele obter
subsídios, subvenções ou doações, com a fixação de prazo máximo de dez
anos, na forma do artigo 22, parágrafo 3º, deve-se aplicar no caso das
penas restritivas de direito e prestações de serviços à comunidade o
máximo cominado a cada delito como privativa de liberdade para a pessoa
física, conforme tem se posicionado os Tribunais, sendo que os limites
da pena de multa são fixados pela parte geral do Código Penal.
Conforme
acima mencionado, as penas aplicáveis à pessoa jurídica são multa,
restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade, na forma do
artigo 21 da Lei nº 9605/98. Em caso de descumprimento de tais penas
pela pessoa jurídica não poderão ser convertidas em privativa de
liberdade, por motivos óbvios, devendo ser executadas coercitivamente,
sob pena de ineficácia da decisão judicial, pois constituem autênticas
obrigações de fazer.
Considerando
que ainda assim não perderão sua natureza de pena criminal deverão ser
executadas no juízo criminal, pelo Ministério Público, observando-se o
rito previsto na legislação processual civil. Em relação à pena de
multa, após o trânsito em julgado da sentença condenatória será
considerada dívida de valor, aplicando-se as normas da legislação
relativa à dívida da Fazenda Pública, em conformidade com o artigo 51 do
Código Penal, que deverá ser aplicada de forma subsidiária. Deverá ser
observado, contudo, que em razão do mencionado dispositivo legal o
Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a
execução da multa caberia à Fazenda Pública, e não mais competente o
juízo da execução criminal.
III – CONCLUSÃO
Para
concluir estas rápidas anotações sobre a responsabilidade penal da
pessoa jurídica, citamos mais uma vez os ensinamentos da professora Ada
Pellegrini Grinover para rechaçar os argumentos daqueles que afirmam não
existir regras processuais e procedimentais específicas para a
responsabilização penal da pessoa jurídica: “O ordenamento jurídico deve
ser visto como um todo e nele se encontram as respostas adequadas para o
tratamento da questão, desde que cuidadosamente observadas as
diferenças existentes entre as diversas disciplinas processuais. Além é
claro, da incidência de princípios e regras constitucionais em matéria
de garantias processuais”.
Gilberto Morelli Lima – Promotor de Justiça/Dirigente do Centro de Apoio ao Meio Ambiente
Gustavo Senna Miranda – Promotor de Justiça/Dirigente do Centro de Apoio Criminal
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