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sexta-feira, 23 de março de 2012

Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica






1 – Fundamento constitucional

A Constituição Federal no Título VIII, que trata da Ordem Social, cuidou da tutela do meio ambiente através de um capítulo específico, mais precisamente o capítulo VI, onde no artigo 225 estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Verifica-se de imediato que tal artigo além de estabelecer que todos têm um direito, ou seja, ao meio ambiente equilibrado, que é um bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, também impõe um dever a todos, inclusive o poder público, ou seja, o de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Visando dar maior efetividade à proteção do meio ambiente, o constituinte inseriu no § 3º do artigo 225 da Constituição Federal a responsabilização penal da pessoa jurídica, ao estabelecer o seguinte: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

2 – Das posições doutrinárias

A questão acima colocada é polêmica e conforme esclarece o mestre Vicente Gomes da Silva existem aqueles que afirmam não ser possível a criminalização e responsabilização da pessoa jurídica sob o argumento de que a responsabilidade penal é pessoal e se traduz numa vinculação direta entre o homem e sua conduta e não de terceira pessoa, e por tal motivo, não haveria a possibilidade de uma pessoa jurídica praticar qualquer conduta, já que o ato de vontade é algo indispensável e de vinculação direta com a pessoa física.

Contrário a esse entendimento os professores Nicolau Dino de Castro e Costa Neto, Ney de Barros Bello Filho e Flávio Dino de Castro e Costa, ensinam:

“... O princípio da pessoalidade da pena está previsto no art. 5º , inciso XLV e quer dizer que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, e que ninguém será responsabilizado criminalmente por ato de outrem.

Ora, quando um preposto, administrador ou sócio de uma empresa praticam ato típico, e a responsabilidade por esse ato é sustentada pela empresa, não há ruptura do pressuposto constitucional causado pela comprovação de que o ato, em verdade, era ato da própria empresa, apenas praticado por intermédio de um seu representante.

O ato criminoso, na verdade, não é ato da pessoa física, mas sim ato da própria pessoa jurídica que se corporifica por meio de um dos seus dirigentes, empregados, sócios ou prepostos.

O ato não é da pessoa física e a responsabilidade sustentada pela pessoa jurídica, mas sim ato do ente moral sustentado por ele próprio...”.

Ainda assim, outros estudiosos, como o professor René Ariel Dotti, afirmam que o legislador constituinte não estabeleceu os contornos jurídicos da responsabilidade penal da pessoa jurídica no art. 225, na medida em que tal atitude conflitaria com o disposto no art. 5º da mesma carta, que preceitua o princípio da individualização da pena e da culpabilidade. Entretanto, conforme esclarece o Promotor de Justiça, Alexandre Herculano Abreu, do Ministério Público de Santa Catarina, quando a questão, se refere a princípios constitucionais tais normas devem ser interpretadas de maneira unitária, objetivando não entrar em contradições e buscando a harmonia de tais dispositivos, de acordo com o princípio da unidade de interpretação das normas constitucionais.

Não obstante tais questionamentos, é certo que em diversos casos, onde ficaram caracterizados a prática de crimes ambientais, considerados de menor potencial ofensivo, pessoas jurídicas concordando com a autoria dos crimes a elas atribuídos, aceitaram a transação penal, com aplicação imediata da medida alternativa (restritiva de direito ou multa), evitando a instauração de processo criminal

Igualmente, naqueles crimes em que a pena imposta não é superior a um ano, pessoas jurídicas têm concordado com a suspensão do processo, mediante condições avençadas, e após decorrido o prazo da suspensão, com o cumprimento das condições e comprovada a reparação do dano ambiental, através de laudo, é declarada extinta a punibilidade (na forma dos artigos 27 e 28 da Lei 9.605/98)
3 – Da posição da jurisprudência

Conforme levantamento realizado pelo Desembargador Eládio Lecey, alguns casos não possibilitaram a transação penal ou a suspensão do processo e chegaram aos Tribunais de segundo grau. Citamos, assim, o Recurso Criminal 00.020968-6, julgado pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde foi relator o Desembargador Sólon d’Eça Neves, que deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e determinou o recebimento da denúncia contra a empresa Agropastoril Bandeirante Ltda., pela prática de crimes previstos na Lei nº 9.605/98. Nesse caso haviam sido denunciados tanto a empresa quanto os sócios, pessoas físicas, mas o juiz de primeiro grau havia rejeitado a denúncia em relação à empresa, recebendo-a somente quanto às pessoas físicas. Por unanimidade o Tribunal acatou o recurso, com a seguinte ementa: “Completamente cabível a pessoa jurídica figurar no pólo passivo da ação penal que tenta apurar a responsabilidade criminal por ela praticada contra o meio ambiente”.

Outro caso que merece destaque diz respeito à ação penal 2000.70.00.019440-4, proposta perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Paraná, onde a Petrobrás, pessoa jurídica de direito privado e alguns de seus dirigentes foram denunciados pela prática de crime previsto no artigo 54 da Lei nº 9.605/989, e foi interposto mandado de segurança visando trancar a ação penal contra a pessoa jurídica, que foi negado, por unanimidade, pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, constando da ementa do julgamento, o seguinte:

“Crime contra o meio ambiente. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Possibilidade. Evolução Histórica do conceito de pessoa jurídica. Passagem da criminalidade Individual ou clássica para os crimes empresariais... . Imputação penal às pessoas jurídicas. Capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e com desacato ao papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Possibilidade da pessoa jurídica praticar crimes dolosos, com dolo direto ou eventual, e crimes culposos. Culpabilidade limitada à manifestação de vontade de quem detém o poder decisório”. (Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0/PR).

A primeira sentença que se tem notícia, condenando pessoa jurídica pela prática de crime contra o meio ambiente foi proferida em 18 de abril de 2002, sendo decisão do magistrado Luiz Antônio Bonat, Juiz Federal da 1ª Vara de Criciúma, SC, no processo 2001.72.04.002225-0, condenado a empresa A.J.Bez Batti Engenharia Ltda, e seu diretor, pela prática dos crimes 48 e 55 da Lei nº 9605/98, em concurso formal, sendo tal sentença mantida, à unanimidade, em 06 de agosto de 2003, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, julgando a apelação criminal nº 2001.72.04.002225-0/SC, onde foi relator o Desembargador Federal Élcio Pinheira de Castro, sendo, portanto, também a primeira condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental em segundo grau de jurisdição.

4 – Da responsabilidade da pessoa jurídica de direito público

Outra questão controversa é em relação à responsabilização tão somente da pessoa jurídica de direito privado, ou também das de Direito Público. Entendemos ser mais correto o entendimento dos professores Vladimir Passos Freitas e Gilberto Passos Freitas, que entendem que somente cabe a responsabilização da pessoa jurídica de direito privado, pois a pessoa jurídica de Direito Público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e federações públicas) não podem cometer ilícito penal no seu interesse ou benefício. Elas ao contrário das pessoas de natureza privada, só podem perseguir fins que alcancem o interesse público. Quando isso não acontece é porque o administrador público agiu com desvio de poder. Em tal hipótese só a pessoa natural pode ser responsabilizada penalmente, e os agentes públicos poderão ser responsabilizados pelos atos que tenham concorrido para que ocorressem.

5 - Ausência de violação ao princípio nulla poena sine lege

Superada essa discussão, cumpre frisar que a lei 9605/98 não fere o princípio da “nulla poena sine lege” pelo fato dos tipos penais descritos na mesma não conterem as penas aplicáveis às pessoas jurídicas, prevendo apenas penas privativas de liberdade e multa aplicáveis à pessoa física. Ainda que a lei tenha estabelecido as penas de prestação de serviços à comunidade, consistente na execução de obras de recuperação de áreas degradadas e contribuições a entidades ambientais e culturais públicas, sem fixar seus quantitativos mínimos e máximos não restará caracterizada ofensa ao referido princípio.

Conforme ensina Eladio Lecey “nem sempre preceito e sanção precisam estar num mesmo dispositivo legal, bastando lembrar as conhecidas normas ditas imperfeitas, mas que completas são no sentido de configurarem norma penal incriminadora, contendo num dispositivo de lei o preceito e noutro a sanção aplicável a quem descumprir aquele, como as previstas na Lei de Abuso de Autoridade, Lei 4898/65 que, nos diversos incisos dos artigos 3º e 4º descreve os tipos e no artigo 6º, parágrafo 3º prevê as sanções penais aplicáveis”. Da mesma ocorre com a lei nº 9605/98, onde no capítulo V descreve os crimes e nos artigo 21 a 23 prevê as penas aplicáveis à pessoa jurídica. O artigo 24 não constitui pena, mas efeito da condenação, ou seja, liquidação forçada.


II – DO PROCESSO CRIMINAL CONTRA PESSOA JURÍDICA
1 – Considerações preliminares

Cumpre ressaltar que a lei nº 9605/98 veio para disciplinar a responsabilização da pessoa jurídica pelas atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, responsabilizando-a, de maneira expressa, sem deixar dúvidas de sua vontade agora assegurada pelo texto constitucional e pela norma legal, mas também recebeu críticas pela ausência de regras processuais e procedimentais específicas, pois somente três artigos abordam tais questões: o artigo 26 que estabelece que a ação penal será sempre pública incondicionada; o artigo 27 que cria regras especiais para a transação penal e o artigo 28 que determina no caso de suspensão do processo a efetiva constatação da reparação do dano ambiental para que seja declarada a extinção da punibilidade.

Ocorre, que no ordenamento jurídico, que deve ser visto como um todo encontramos as respostas para todas as indagações ou inquietações.

2 – Dos requisitos da denúncia

A) Da questão do concurso necessário

Quanto à alegada existência de concurso necessário entre a pessoa jurídica e a pessoa natural, cumpre ressaltar que os crimes estabelecidos na Lei nº 9605/98 são de autoria singular, admitindo-se eventual concurso de agentes, estando, entretanto, previsto, no artigo 3º da mencionada lei, de forma expressa, a co-responsabilização entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas, autoras, co-autoras e partícipes. Se o “caput” do mencionado artigo estabelece como requisito da responsabilidade criminal da pessoa jurídica que a infração “seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado”, sempre haverá uma ou mais pessoas deliberando pela pessoa jurídica, e, portanto, concurso de agente entre esta e pessoas físicas.

Outras pessoas também poderão ser responsabilizadas pela prática do crime, como, por exemplo, os empregados que executarem as tarefas que caracterizem o crime, desde que presentes outros requisitos necessários à sua imputação, entre eles, a exigibilidade de conduta diversa, caracterizando, assim, o concurso previsto no parágrafo único do artigo 3º da lei nº 9605/98.

Dessa forma, caracterizado o concurso de agentes com a pessoa natural que deliberou pela pessoa coletiva, deverá tal fato estar explicitado e narrado com suas circunstâncias fáticas na denúncia.

Esse entendimento, que é o mesmo do Desembargador Eládio Lecey, estudioso da matéria, tem encontrado respaldo nas decisões dos Tribunais, que têm reconhecido a inépcia da denúncia quando não se permite concluir que o delito foi cometido por decisão de representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado da empresa acusada (MS. 34440/8, 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada Criminal de SP, MS. 2001.02.01.046636-8, 5ª Turma, Tribunal Regional Federal da 2ª. Região e RE 331929-SP (2001/00866677-9) do Superior Tribunal de Justiça.

Atenção: Entretanto, quando não for possível esclarecer qual ou quais pessoas que deliberaram em nome da pessoa jurídica ou de qualquer forma concorreram para a prática do crime, evidentemente que tal fato não será óbice para o oferecimento da denúncia. Para melhor ilustrar tal situação, citamos o exemplo utilizado por Tupinambá Pinto de Azevedo, quando os sócios membros de órgão colegiado, em reunião com votação secreta, em decisão não unânime, deliberam em nome da pessoa jurídica. Assim, bastará citar tal circunstância na peça denunciatória, esclarecendo a impossibilidade de identificação das pessoas físicas, para atender o requisito da lei penal ambiental.

B) Finalidade específica da conduta

Outro requisito que deve ser observado é que a infração deve ser praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Em regra toda deliberação no exercício regular da atividade de uma empresa, será no seu interesse ou benefício. Ocorre, que bem lembra o autor Eládio Lecey, determinada conduta poderá ser exercitada sem deliberação por quem de direito, ou com excesso de mandato ou até contrariamente aos interesses da empresa. Nesses casos, somente a pessoa ou pessoas físicas deverão ser responsabilizadas. A deliberação da empresa, e o conseqüente benefício ou interesse da mesma não precisa, necessariamente, constar em ata, pois este fato dificilmente ocorrerá, mas ainda que a vantagem seja implícita, tal fato deverá constar na denúncia. Nesse sentido citamos os seguintes julgados e parecer:

“As pessoas jurídicas podem ser processadas por crime ambiental, todavia, a denúncia deve mencionar que ação ou omissão foi fruto de decisão de seu representante legal ou contratual, ou do seu órgão colegiado, ainda que esta decisão tenha sido informal ou implícita” (MS 2002.04.01.054936-2/SC – Relator Des. Vladimir Passos de Freitas).

“O art. 3º da Lei nº 9605/98 condiciona a responsabilidade criminal da empresa ao fato de ter sua direção atuado no interesse ou benefício de sua entidade. O que se deve examinar para saber se o tipo penal do art. 3º da Lei 9605/98 acabou por ser subsumido é analisar o conteúdo da decisão do órgão diretivo. Se ela foi tomada no desenvolvimento empresarial e para garantir o sucesso dele, não há interesse individual do gerente na decisão, mas da sociedade. Logo, a mesma surgiu para satisfazer o interesse da garantia do resultado da produção. Esse proveito para o sucesso da empresa pode ser intencional (dolo) ou fruto de negligência (culpa)” (MS 2002.04.01.013843-0/P – Relator Des. Federal Fábio Bittencourt da Rosa – Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

“Indiscutível a desnecessidade de ato formal. Todavia, necessária a indicação mínima de tomada de posição. Por exemplo: orientação para contenção de despesas, para compra de material de baixa qualidade, a demissão de funcionários qualificados e contratação de inexperiente, a instalação de uma fábrica sem o licenciamento ambiental, etc.” (Parecer da Subprocuradora-Geral da República, Doutora Elda Wiecko V. de Castilho, no RE 331929-SP (2001/0086677-9) do STJ.

3 – Do rito processual

Quanto ao procedimento, aplicam-se, por integração, as regras e garantias processuais gerais, ou seja, os chamados comuns, ordinário ou sumário, de acordo com as penas cominadas e o procedimento sumaríssimo da lei nº 9099/95 nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, observando-se as regras especiais previstas nos artigos 27 e 28 da Lei nº 9605/98, ou seja, prévia composição do dano ambiental na transação penal e constatação da reparação do dano ambiental como condição à extinção da punibilidade na caso de suspensão do processo.

A) Aplicação dos institutos despenalizadores dos JECRIM

Conforme ensina Eladio Lecey, “em se tratando de infração penal de menor potencial ofensivo, sendo que a maioria dos crimes previstos na Lei 9605/95 se enquadra na classificação, será admissível composição do dano e transação penal, sem instauração de processo criminal e declaração de extinção da punibilidade, composto o dano e cumpridas as medidas aplicadas na transação. Ainda, admissível a suspensão do processo tanto nos delitos de menor quanto nos de “médio potencial ofensivo”, no que abarcada a quase totalidade das infrações contra o ambiente”.

B) Representação da pessoa jurídica

Em relação à representação das pessoas jurídicas, aplica-se o disposto no artigo 12 do Código de Processo Civil, que estabelece, no inciso VI, que serão representados em juízo, ativa e passivamente, as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando, por seus diretores. Em se tratando de pessoa jurídica estrangeira a solução encontra-se no inciso VII.

Cumpre ressaltar que em relação às pessoas jurídicas não há necessidade de se exigir poderes expressos no mandato outorgado, pois os artigos 10 e 11, parágrafo único da lei nº 10.259/01 autorizam os representantes das pessoas jurídicas, tanto de direito público federal quanto as de direito privado a conciliar e transigir, sendo que o último artigo citado faz referência expressa aos artigos 71, 72 e 74 da lei nº 9099/95, autorizando, portanto, tanto a composição dos danos como a transação penal, devendo ser tais normas aplicadas aos juizados especiais criminais por isonomia e analogia.

Entretanto, considerando que os dispositivos da Lei nº 10.259/01 acima mencionados não trazem nenhuma menção ao artigo 89 da lei nº 9099/95, que trata da suspensão do processo, é conveniente a exigência de poderes expressos ao representante da pessoa jurídica para essa finalidade.

Deve ser destacado que é possível a representação da pessoa jurídica por pessoa diversa de seu representante legal, mas nessa hipótese será necessária a designação por escrito, ainda que por mandato genérico, para a composição do dano e a transação penal, pois os artigos 10 e 11 da Lei nº 10.259/01, referem-se tão somente aos representantes da pessoa jurídica. Para a suspensão do processo, em se tratando de pessoa diversa do representante da empresa não bastará o mandato genérico, necessitando constar poderes específicos, pelos motivos já expostos.

C) Da citação

A citação da pessoa jurídica deve ser feita na forma no Código de Processo Penal (arts. 531 e seguintes), ou de acordo com a Lei nº 9099/95, sendo certo que não é possível a citação por correio, e que no caso de aplicação da Lei nº 9099/95 não é possível a citação por edital.

D) Do interrogatório

Em relação ao interrogatório, considerando que o mesmo configura meio de defesa, conforme deixa claro a lei nº 10.792/03, que alterou o Código de Processo Penal, o mesmo deve ser realizado com a presença do gestor da pessoa jurídica, conforme posicionamento atual da professora Ada Pellegrini Grinover, que antes entendia ser aplicável o disposto no artigo 83 da CLT, para sustentar que o preposto poderia ser interrogado. Dentre os motivos que a levaram a rever sua posição inicial deve ser destacado o entendimento de que “não se pode transportar ao campo penal a previsão do par. único do art. 83 da CLT, no sentido de que a declaração do preposto obriga o preponente. Ninguém, no processo penal, pode confessar pelo imputado”.

Entretanto, conforme questiona o já mencionado Eladio Lecey, em se tratando de empresas de grande porte com atuação em todo o território nacional, em que o representante será o presidente, em muitos casos seu depoimento em nada servirá para apuração dos fatos e até à defesa da empresa ré, pois poderá estar alheio aos fatos imputados. Nesse caso poderá indicar procurador que tenha ciência dos fatos para ser interrogado representando a ré?

Prosseguindo, questiona como será abordada a questão caso a resposta seja negativa e o representante da empresa também for réu como co-autor ou partícipe, poderá ser ele interrogado nas duas qualidades? E se as defesas da pessoa jurídica e natural forem colidentes?

A posição não é pacífica, havendo divergência doutrinária e jurisprudencial. Ao contrário do entendimento acima da professora Ada Pellegrini Grinover, Tupinambá Pinto de Azevedo entende o seguinte:

“Não vemos impedimento a que esses representantes outorguem procuração a terceiros, para que compareçam a juízo e falem em nome da empresa ré. Há conveniência de que o representante, submetido a interrogatório, tenha ciência direta dos fatos imputados”, manifestando-se, ainda, pela indicação de preposto. No mesmo sentido Walter Claudius Rothenburg.

O professor Eladio Lecey também se posiciona pela “admissibilidade de indicação de preposto, exigindo-se, no entanto, poderes expressos para interrogatório e exercício de defesa pessoal em nome da pessoa jurídica. A regra será então, interrogatório pelo representante legal na época do ato do interrogatório, com possibilidade de indicação de preposto com conhecimento dos fatos, explicitando-se no mandato aqueles poderes”.

Embora também não seja pacífico o entendimento nos tribunais, vale transcrever parte do voto do Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, no julgamento do MS 2002.04.01.013843-0-PR, impetrado por empresa nacional de grande porte inconformada com a decisão de primeiro grau que indeferiu pedido de indicação de preposto para o ato processual de prestar interrogatório em nome da pessoa jurídica, que acabou sendo denegado, integralmente, determinando o interrogatório pelo atual representante legal:

“O interrogatório, como se sabe, caracteriza-se como um ato de prova e de defesa. Revela o fato e todos os componentes a serem analisados no que se refere à imputação criminal. Uma prova acusatória sem uma confissão exige muito maior carga de convencimento do que outra que corrobora uma confissão. Essa é uma evidência de que o interrogatório constitui prova. Por certo que não tem eficácia exclusiva, podendo até mesmo caracterizar o crime de auto-acusação falsa descrito no art. 341 do Código Penal. Também contém eficácia de defesa o interrogatório, sendo esta a precípua função dele, por isso ficando obrigado o juízo a ouvir o interrogando em qualquer fase do processo, sob pena de lesão ao princípio da ampla defesa. O réu, ao falar em juízo, tem a oportunidade de esclarecer a situação fática, explicar os motivos de sua ação, revelar fatos desconhecidos em seu proveito, dar sua interpretação referentemente a provas já colhidas, etc.”

Se o representante legal da empresa for também réu no mesmo processo e pelo mesmo fato, colidindo as defesas da pessoa natural e jurídica, no mesmo voto acima transcrito entendeu-se que “a sociedade não será interrogada, a não ser que exista outro administrador integrante do colegiado, que não tenha sido acusado”.

O Desembargador Eladio Lecey, contudo, entende “que a pessoa jurídica sempre terá o direito de ser interrogada. Havendo conflito entre sua defesa e a do representante legal também réu, a solução será o juiz proporcionar indique a empresa procurador com aqueles poderes expressos”.

E) Da aplicação da pena

Em relação aos prazos da pena, embora a legislação não tenha estabelecido, com exceção da proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações, com a fixação de prazo máximo de dez anos, na forma do artigo 22, parágrafo 3º, deve-se aplicar no caso das penas restritivas de direito e prestações de serviços à comunidade o máximo cominado a cada delito como privativa de liberdade para a pessoa física, conforme tem se posicionado os Tribunais, sendo que os limites da pena de multa são fixados pela parte geral do Código Penal.

Conforme acima mencionado, as penas aplicáveis à pessoa jurídica são multa, restritiva de direitos e prestação de serviços à comunidade, na forma do artigo 21 da Lei nº 9605/98. Em caso de descumprimento de tais penas pela pessoa jurídica não poderão ser convertidas em privativa de liberdade, por motivos óbvios, devendo ser executadas coercitivamente, sob pena de ineficácia da decisão judicial, pois constituem autênticas obrigações de fazer.

Considerando que ainda assim não perderão sua natureza de pena criminal deverão ser executadas no juízo criminal, pelo Ministério Público, observando-se o rito previsto na legislação processual civil. Em relação à pena de multa, após o trânsito em julgado da sentença condenatória será considerada dívida de valor, aplicando-se as normas da legislação relativa à dívida da Fazenda Pública, em conformidade com o artigo 51 do Código Penal, que deverá ser aplicada de forma subsidiária. Deverá ser observado, contudo, que em razão do mencionado dispositivo legal o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a execução da multa caberia à Fazenda Pública, e não mais competente o juízo da execução criminal.

III – CONCLUSÃO

Para concluir estas rápidas anotações sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, citamos mais uma vez os ensinamentos da professora Ada Pellegrini Grinover para rechaçar os argumentos daqueles que afirmam não existir regras processuais e procedimentais específicas para a responsabilização penal da pessoa jurídica: “O ordenamento jurídico deve ser visto como um todo e nele se encontram as respostas adequadas para o tratamento da questão, desde que cuidadosamente observadas as diferenças existentes entre as diversas disciplinas processuais. Além é claro, da incidência de princípios e regras constitucionais em matéria de garantias processuais”.

Gilberto Morelli Lima – Promotor de Justiça/Dirigente do Centro de Apoio ao Meio Ambiente
Gustavo Senna Miranda – Promotor de Justiça/Dirigente do Centro de Apoio Criminal



















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