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sexta-feira, 23 de março de 2012

Comentários Sobre Aspectos Polêmicos da Lei 12.403/11




Certamente, o núcleo inovador da Nova Lei 12.403/11 – Prisão e Medidas Cautelares, cinge-se às oportunas cautelarespessoais não detentivas[1] , voltadas ao auxílioda investigação criminal, à viabilizaçãoda aplicação da lei penal e ao óbice à reiteração infracional. A introdução de um sistema polimorfo fechado de medidas cautelares realmente se fazia necessário. E a melhor explicação decorre da realidade fática, traduzida em números – alarmantes - já repercutidos nos meios acadêmicos, no tocante aos mais de 160 mil presos provisórios, num universo carcerário nacional de 500 mil presos[2] .

O mérito da nova Lei é viabilizar opções ao julgador, ao minar um sistema restrito que estava sendo pernicioso - às vezes, convenientemente - balizado entre a soltura temerária e a prisão preventiva desnecessária ou com viés inadequadamente punitivo, em que a liberdade deveria ser a regra e a prisão provisória a exceção.

Tal quadro sombreava a lucidez de nobres decisões judiciais que procuravam evitar a preventiva, lastreadas num "poder geral de cautela" inexistente no Processo Penal (como a entrega de passaporte, por exemplo), em que forma é garantia. Daí porque muito bem vinda as novas medidas cautelares distintas da prisão (Arts.317/320).Seus efeitos, destarte, estenderam-se para idealizar novo quadro de prisão preventiva e liberdade provisória.Eis algumas observações incidentes sobre esse novo panorama.

As espécies de prisões preventivas e seus requisitos.

Se antes da nova Lei havia, apenas, uma espécie de prisão preventiva, da sua leitura um pouco mais atenta, podemos identificar 4 (quatro) espécies de prisões preventivas, cujos requisitos, diferem e, sem dúvida, dão margem a questionamentos.

São elas: Prisão preventiva clássica, autônoma ou por decreto, promovida no decorrer da persecução criminal, quando o agente encontra-se em liberdade ou ao término da prisão temporária. Trata-se da preventiva clássica, já prevista antes da recente alteração, mas com modificação nas hipóteses legais permissivas (Art.313, do CPP). As disposições que lhe são atinentes estão nos artigos 311, 312, caput, 313, 315 e 316 do Código de Processo Penal. Seus requisitos, especificamente, estão nos artigos 312, caput, e 313 do CPP, em que se destaca a necessidade para a sua decretação, no inciso I, do 313, de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Assim, em regra, por exemplo, um crime de furto simples (reclusão, de 1 a 4 anos) não admitirá o decreto da prisão preventiva clássica (autônoma), podendo, todavia, haver decreto baseado noutra hipóteses de preventivas, recém trazidas pela nova Lei. O limite legal de 4 (quatro) anos será uma importante referência, mas não parâmetro obstativoabsoluto, uma vez que prescindível para as hipóteses dos incisos II e III do mesmo artigo.Esta modalidade não admitirá ingerência espontânea judicial na fase inquisitorial, o que nos parece primoroso acerto do legislador, em atenção ao princípio acusatório.

Podemos identificar, também, a prisão preventiva substitutiva (ou por substituição), prevista no 282, §4º e 312, parágrafo único, decretada como consequência do descumprimento das medidas cautelares pessoais alternativas à prisão. Entendemos que, nesta caso, os requisitos do artigo 312, caput, devem estar presentes, prescindindo-se os do 313, do CPP. Para admitir, em tese, a imposição de alguma medida cautelar, a infração deve apresentar pena privativa de liberdade em seu preceito secundário (Art.283, §1º, CPP). Imaginemos, pois, que haja imposição de alguma medida cautelar, como a prisão domiciliar, por exemplo, numa infração com pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos. Havendo descumprimento, poderá o juiz cumular ao agente outras medidas cautelares (282, §4º, CPP). Mas até quando? E se o agente continuar descumprindo as cautelares? Só restará ao magistrado decretar prisão preventiva substitutiva - cuja previsão vem em artigo distinto da autônoma - como forma coercitiva para obrigar o agente a cumpri-las. Não por outro motivo que, para nós, a imposição ou cumulação de cautelares ilegalmente admitirá a interposição de Habeas Corpus.

Há, ainda, a prisão preventiva por conversão, prevista no artigo 310, II do CPP, imposta quando o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, "converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão". Neste caso, ao contrário da preventiva clássica (autônoma), não há a restrição legal para o juiz decidir de ofício pela prisão, durante a fase inquisitorial.

Mas a grande questão é: Deverãoser observados os requisitos do 313, do CPP, uma vez que o legislador somente se referiu – infelizmente - ao artigo 312? Haverá, sem dúvida, significativa corrente doutrinária, alegando a desnecessidade, por exemplo, do crime ter pena máxima superior a 4 (quatro) anos para o decreto da preventiva por conversão. Um criminoso preso por furto simples, poderia, sob esta ótica, ter contra si o decreto de preventiva por conversão, não obstante fosse vedada a preventiva clássica (autônoma). A única explicação viável para tal entendimento seria a situação proporcionada pelo flagrante delito, cujos indícios de autoria seriam robustos, distanciando-se da situação em que o agente se encontra, antes, em liberdade. Mas parece-nos que a desnecessidade da presença dos requisitos do 313 do CPP para a preventiva por conversão, (que fica evidente pelo texto legal) foi grande equívoco e esperamos que a jurisprudência mais atenta reconheça tal imprescindibilidade.

Basta a compreensão de que o legislador somente permitiu o arbitramento de fiança para a Autoridade Policial nos crimes com privativa de liberdade até 4 (quatro) anos, justamente porque inadmitem prisão preventiva, consoante artigo 313, I, do CPP.

Imagine, então, que a Autoridade Policial entenda por arbitrar fiança no caso de furto simples (reclusão, de 1 a 4 anos), por exemplo, mas, ao se deparar com o Auto de Prisão em Flagrante, o juiz tenha concepção diversa, entendendo que seria caso de prisão preventiva por conversão, dispensando o requisito do artigo 313, I, do CPP. Com a soltura do agente que pagou a fiança no Inquérito, já não mais poderá o juiz prendê-lo, porque a preventiva clássica (autônoma) exige, categoricamente, o requisito do artigo 313, I, do CPP. Tal dinâmica não faz sentido, com todo o respeito a opiniões em contrário, porque, inevitavelmente, relegaria à Autoridade Policial um juízo (não decreto) preventivo, ainda que indireto.

Veja que, havendo possibilidade de arbitramento de fiança, considerando os termos e limites dos artigos 322, 323 e 325, I do Código de Processo Penal, a Autoridade Policial deve fazê-lo, até porque não lhe caberá o juízo preventivo. E, se deve fazê-lo, seria motivo de enorme fragilidade do sistema, com risco até de credibilidade, que o juiz, 24 horas seguintes, sem qualquer alteração do quadro fático, pudesse mandar prendê-lo, mesmodiante da natureza mutável da aludida decisão. Ocorre que, neste caso, a própria lei não o autorizará a fazê-lo, porque, como se disse, com a soltura do indiciado, a nova prisão, necessariamente, deverá ser a preventiva clássica (autônoma), estritamente submetida aos requisitos do 312 e 313 do CPP, ou seja, a infração deverá ter pena máxima superior a 4 (quatro) anos!

A aplicação do artigo 324, IV, CPP, à luz da Constituição Federal, é reservado ao juiz. O entendimento de cabimento de prisão preventiva por conversão, dispensando o requisito do artigo 313, I do CPP (infração com pena máxima superior a 4 anos) é, por via reflexa, atribuir à Autoridade Policial a análise da presença ou não dos pressupostos de prisão preventiva, no momento em que vier arbitrar fiança, o que nos parece inadmissível.

Assim, concluindo, para nós, os requisitos do artigo 313 do Código de Processo Penal aplicam-se na prisão preventiva por conversão, prevista no artigo 310, II, do CPP.

Por fim, há a nova prisão preventiva para identificação, decretada, nos termos do artigo 313, parágrafo único, quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Somente poderá ser decretada se a dificuldade de identificação representar real impedimento à persecução criminal, pois do contrário inexistirá o periculum próprio da necessidade de imposição da cautelar. Da forma como está disposta, é prisão temerária, pois sequer exige pena privativa de liberdade, além de não fixarprazo máximo para cumprimento. Sem falar da sua prescindibilidade, ante previsão similar naLei de Prisão Temporária (L.7.960/89 - art. 1º, inciso II). Entendemos, portanto, que se deva complementar com os requisitos do 313 do CPP.

Natureza da Prisão em Flagrante e Descumprimento de Liberdade Provisória em caso de excludente de ilicitude.

Com a nova Lei, fica evidenciada a naturezapré-cautelar da prisão em flagrante (título precário detentivo), com duração restrita.A Lei 12.403/11, inovando também neste particular, impõe ao juiz que, fundamentadamente, se posicione se converterá o flagrante em preventiva, se o relaxará, quando ilegal, ou se concederá liberdade provisória, impondo ou não alguma medida cautelar, isoladamente ou cumulada. Este o limite de duração da prisão em flagrante.

O juiz poderá conceder liberdade provisória com ou sem fiança, impondo, também, quaisquer das outras medidas cautelaresprevistas nos arts.317 a 320 do CPP.Pode até, consoante clara redação do artigo 321, conceder liberdade provisória sem qualquer medida cautelar, que serão observadas "se for o caso".

Com a nova Lei, a Liberdade Provisória pode, pois, ser imposta com ou sem medida cautelar distinta da prisão, quando não estiverem presentes os pressupostos para a prisão preventiva. Poderá ser vinculada, se houver imposição de alguma medida cautelar (seu descumprimento pode acarretar a preventiva substitutiva) ou desvinculada, se nãohouver condições a cumprir. É bem relevante asseverar que oatual 321 não exige o comparecimento aos atos do processo.

E no caso de exclusão de ilicitude, haverá vinculação, ante a liberdade provisória? Qual a eventual consequência para o seu descumprimento?

A situação referida é prevista no artigo 310, parágrafo único, ao preceituar que se o juiz verificar que o fato foi praticado em situação de excludente de ilicitude, poderá conceder liberdade provisória, mediante comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. Portanto, ao contrário do artigo 321, neste caso, o agente ficará, obrigatoriamente, vinculado ao comparecimento dos atos processuais.

Mas a lei trouxe um paradoxo. Se o agente cometeu o crime sob suposta excludente, então o flagrante deveria ser relaxado, pois não "há crime" (310, I do CPP). O relaxamento não impõe vinculação. Não deveria, destarte, ser caso de liberdade provisória, muito menos vinculada, nos termos legais. Até porque, o artigo 314 do CPP dispõe que a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o Juiz verificar que o fato foi praticado em situação de excludente de ilicitude. Portanto, não poderá o juiz decretar qualquer preventiva preventiva em face, havendo descumprimento das medidas que o vinculam aos atos do processo ou mesmo o descumprimento de alguma medida cautelar, eventualmente imposta. Aliás, atos do processosomente se não houver o reconhecimento da excludente, que ensejará absolvição sumária (397, I do CPP). Seguindo o processo, restará ao juiz decretar-lhe a revelia, somente.

Por fim, haverá, também, a liberdade provisória sob condição de pobreza (350, CPP). Quando a medida cautelar escolhida for a fiança, sendo o indiciado ou acusado pobre, poderá ser liberado sem o pagamento, mas ficará vinculado às condições dos artigos 327 e 328, do CPP. Poderá o juiz, nos termos do 282, §5º, substituir a fiança por outra medida cautelar distinta da prisão. Infelizmente, a lei não previu, aqui, a possibilidade da Autoridade Policial liberar o preso da fiança, ante tal condição de pobreza.

Descumprimento de medida cautelar e quebramento de fiança: máxima atenção para os Advogados

Por fim, gostaríamos de abordar uma questão que vem passando ao largo da doutrina.Trata-se da possibilidade de quebramento da fiança com a consequente perda da metade do valor pago (Art.343 do CPP), no caso de descumprimento de medida cautelar imposta cumulativamente àquela (Art.341, III do CPP).

Os valores da fiança, com a nova Lei, sofreram significativa alteração, podendo chegar até a casa dos 200.000 salários mínimos (Art.325, II c.c. §1º, III, do CPP), cujo efeito foi, dentre outros, reforçar significativamente o instituto do quebramento, ante possibilidade de significativa perda financeira por parte do agente.

O tema é relevante, considerando o risco de ações indenizatórias em face dos advogados que não alertarem seus clientes acerca da possibilidade de quebramento, cuja consequência é, nos termos do artigo 343 do CPP, perda de metade do valor arbitrado, caso, por exemplo, venham a descumprir alguma medida cautelar imposta pelo juiz, conjugada com a fiança.

Basta vislumbrar a magnitude do "poder persuasório do juiz" para cumprimento das medidas cautelares se, além dos 300.000 mil reais arbitrados como fiança para um crime de homicídio culposo no trânsito, por exemplo, o magistrado aplicar a cautelar prevista no artigo 319, II, proibindo o agente de frequentar bares, casas noturnas ou quaisquer estabelecimentos do gênero.

Neste caso, o Advogado deve alertar seu cliente, de preferência por escrito, para o risco de que, se for pego em algum destes estabelecimentos e não apresentar justificativa adequada para o descumprimento do que fora determinado pelo juiz, poderá haver o quebramento da fiança (341, III do CPP), com a perda de metade do valor depositado (Art.343 do CPP). Considerando os altos valores em questão, o prejuízo poderá ser enorme, sem falar, obviamente, no risco de decreto de prisão preventiva.

Quanto à fiscalização, havendo aparelhamento, o "quadro profilático", a seguir, ficaria completo com a possibilidade de utilização de monitoração eletrônica: depósito de dinheiro - fiança - que se destinará também à indenização do dano (Art.336 do CPP); proibição de frequentar lugares que se relacionam com o fato (ex. bares – crimes no trânsito); poder coercitivo no caso de descumprimento, pela perda de metade do valor da fiança (Art.341, III – quebramento) e fiscalização por monitoração eletrônica (Art.319, IX).

[1] Considerando a existência das medidas cautelares assecuratórias (125/144 do CPP).

[2] Dados do Ministério da Justiça de 2010, disponível em: http://portal.mj.gov.br/data/PagesFELBERG, Rodrigo. "Comentários Sobre Aspectos Polêmicos da Lei 12.403/11". Disponível em: (http://www.ibccrim.org.br)

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